DESNUDAR A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA É TAMBÉM UMA QUESTÃO DE SOBREVIVÊNCIA. TRANSPARÊNCIA É ARCHÉ!

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Por Francisco Enaldo Sales Campelo (Delegado de Polícia e Diretor da ADEPOL/ES)

Desde a Grécia Antiga, especificamente no governo de Atenas, caracterizado pela participação direta dos cidadãos no processo decisório, era praxe a publicização da atividade governamental, preceito transcendente no tempo e incorporado às modernas nações sectárias do modelo de democracia indireta no qual o povo elege seus representantes para, em seu nome e interesse, atuarem na vida política.

Partindo dessa premissa, exsurgindo ato recôndito, limite injustificável à informação e exacerbado controle estatal, estar-se-á diante de contraste com o ideal pregado numa democracia.

Propondo-se, portanto, conformar a esse regime, superando os “anos de chumbo”, o Brasil passou a consagrar constitucionalmente o amplo acesso à informação, transformando-o em garantia instrumental ao exercício do princípio democrático.

Nessa esteira, precisando conferir efetividade e regulamentação, editou a Lei nº 12.527/11, espelhada nos padrões norte-americano, mexicano e suíço, instituindo a todos os entes federativos, em qualquer dos poderes, o acesso à informação em tal nível que priorizou a iniciativa de divulgação (transparência ativa) e, inexistindo, o dever de dispô-la de maneira facilitada (passiva).

No plano internacional, assinou uma Declaração de Princípios e se comprometeu a adotar medidas concretas para o fortalecimento da transparência dos atos governamentais, enfrentamento à corrupção, incentivo à participação cidadã, gestão dos recursos públicos, integridade nos setores público e privado, entre outros objetivos.

Desde então, alguns estudos mostraram que o Brasil atingiu o 9º lugar no ranking mundial de Dados Abertos, de acordo com a pesquisa da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas e Open Knowledge Brasil.

Dentro desse coevo movimento, destaca-se o trabalho independente da Transparência Internacional que trouxe à luz um volume incomensurável de dados públicos e, consequentemente, contribuiu para erigir uma governança com lisura. Ela vem desempenhando um papel de suma importância na filtragem, análise e transmissão de informações essenciais à população. É ainda responsável por produzir o índice de percepção de corrupção mundial que, principalmente, esta indexado à transparência dos países.

Inobstante essa notável colaboração, considerável parcela da sociedade continuava adormecida. Infelizmente, foi um vírus com alto poder destrutivo e indiscriminado que rompeu essa letargia e fez perceber o valor de uma gestão verdadeiramente desnuda. Hoje, somos observadores de números e estatísticas os quais subsidiam as nossas principais decisões.

É nesse contexto que ganha relevância o Índice de Transparência da Covid-19, iniciativa da Open Knowledge Brasil, operando a coleta e avaliação de dados relativos à pandemia do novo coronavírus publicados pela União e pelos Estados para, ao cabo, qualifica-los e entrega-los com simplicidade à população, auxiliando no debate e encontro de alternativas.

Em igual proeminência, ascende o Consórcio de Veículos de Imprensa que reúne e confronta informações dos órgãos de saúde e repassa aos seus atentos espectadores, cuja origem reativa remonta à adoção de restrições por parte do Ministério da Saúde, na época, evitando eventual manipulação e/ou ocultação de informes.

Com efeito, o acesso de qualidade aos dados governamentais adicionado ao uso de uma linguagem simples, nestas condições, mais do que uma forma de fiscalização e controle de políticos e gestores públicos, é também uma maneira de aplacar os riscos à vida diante de uma saúde agonizante.

É justamente isso que se espera de uma Comissão Parlamentar de Inquérito instalada no Senado da República: primeiro desencarnada de viés ideológico e político/partidária e segundo capaz de expor, sem espetacularização e oportunismo, inverdades; contradições; absentismo; negacionismo e obscurantismo causadores de ingentes prejuízos.

Independentemente dos seus resultados, certo é que pensamentos e comportamentos foram contaminados, esperanças asfixiadas, sonhos aniquilados e famílias degringoladas, deixando marcas indeléveis na história.