Pessoas com deficiência, menores e terceirização concentraram as atenções da CDH

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No primeiro semestre de 2015, foram aprovadas na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) várias proposições que beneficiam pessoas com deficiência, com destaque para a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência. A proposta (SCD 4/2015), do senador Paulo Paim (PT-RS), foi confirmada em Plenário em junho e transformada na Lei 13.146/2015.

— O projeto mais relevante desse período foi sem dúvida o Estatuto da Pessoa com Deficiência. São 142 artigos, cada um praticamente uma lei, sempre na linha de garantir direitos para os que mais precisam. Foi nessa ótica que trabalhamos — afirmou Paim, presidente da CDH, em entrevista pelo encerramento dos trabalhos do semestre.

O Estatuto prevê benefícios como atendimento prioritário em todos os serviços públicos, no recebimento da restituição do Imposto de Renda e na tramitação de processos na Justiça. Também permite o uso do FGTS na aquisição de órteses e próteses e deixa expressa a proibição de cobrança extra a alunos com deficiência pelas escolas privadas (para a contratação de auxiliares, por exemplo).

Mais uma proposta importante para o segmento aprovada na comissão foi a que suprime a exigência de compensação de horário para os servidores públicos que tenham filhos, dependentes ou cônjuge com alguma deficiência (PLS 68/2015). Hoje, eles têm direito a horário reduzido, mas precisam compensar essas horas posteriormente. Com a mudança, o direito se iguala ao do funcionário com deficiência. O projeto, do senador Romário (PSB-RJ), aguarda análise da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).

Outro projeto libera o saque dos recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) ao trabalhador que necessite executar projeto de acessibilidade em imóvel próprio (PLS 11/2015), como trocar portas e construir rampas. A proposta, do senador José Medeiros (PPS-MT), aguarda análise da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE).

Menores

Na esteira da discussão sobre a redução da maioridade penal para 16 anos, aprovada na Câmara, a CDH optou por uma proposta, que prevê o aumento do período de internação para os que cometem crimes hediondos. Hoje, o tempo máximo de internação nos centros socioeducativos é de três anos. O PLS 450/2013, do senador Jorge Viana (PT-AC), o eleva para até oito anos.

Outro projeto (PLS 125/2014) endurece a tipificação do crime de corrupção de menor ao estabelecer que, para a consumação do delito, basta induzir o menor à prática da conduta ilícita. Assim, para que o adulto corruptor responda por este crime, deixa de haver a necessidade de efetiva prática do ato infracional pelo menor de 18 anos.

A proposta, do senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), também amplia o rol de infrações cometidas ou induzidas que aumentam a pena do corruptor. Ela inclui condutas correspondentes ao racismo, à tortura, ao terrorismo, ao genocídio e ao tráfico de drogas, além daquelas referidas na Lei dos Crimes Hediondos. Quando se tratar desses crimes, a pena de reclusão já prevista, de um a quatro anos, pode aumentar em até 50%.

Ainda em relação aos menores, foi aprovado o PLS 753/2011, dos senadores Aécio Neves (PSDB-MG) e Lindbergh Farias (PT-RJ), que permite às entidades dedicadas à proteção dos direitos de crianças e adolescentes a proposição de ação civil pública, instrumento de defesa dos chamados interesses difusos, coletivos e homogêneos. Todas essas propostas ainda devem passar pela CCJ.

Debates

O presidente da CDH, senador Paulo Paim (PT-RS), trabalhou para tornar a comissão um espaço no qual as minorias façam ecoar sua voz na luta por direitos. O parlamentar diz receber inúmeras solicitações da população e de diversas organizações sociais para realizar debates sobre os mais variados temas e revelou ter “uma fila de pedidos” desse gênero.

— As audiências públicas são uma forma de fazer com que a população esteja dentro do Parlamento, dialogando com a gente, e não a gente só no microfone, à distancia, falando para a população — afirmou o senador.

As mudanças advindas da proposta que regulamenta a terceirização (PLC 30/2015), e a modificação nas leis trabalhistas e previdenciárias incluídas nas medidas provisórias do ajuste fiscal – já aprovadas pelo Congresso, com atenuantes em relação à versão do Executivo – foram temas frequentes de debate no primeiro semestre deste ano.

Terceirização

Até mesmo o presidente do Senado, Renan Calheiros, se posicionou contra a terceirização “ampla, geral e irrestrita” e afirmou que a Casa fará uma discussão criteriosa sobre o projeto, e não permitirá “pedalada contra o trabalhador”. Paulo Paim é o relator da proposta na CDH e já avisou que não aprovará o projeto como veio da Câmara, por considerá-la “um retorno à escravidão”.

Há discussões sobre a elaboração de um texto alternativo que não inclua a possibilidade de terceirização das atividades-fim (um hospital poder contratar médicos por terceirização, por exemplo). Hoje, somente as atividades-meio podem ser terceirizadas (segurança e limpeza, mais comumente).

Paim estabeleceu um ciclo de debates pelos estados para tratar do tema. Já foram feitas reuniões em várias capitais do Sul e do Sudeste. Na segunda quinzena de julho, a comissão deverá rodar o Nordeste.

– Em todos os estados até agora, todos foram unânimes em pedir a rejeição do projeto que veio da Câmara e que eu apresente outro, em nome das entidades, regulamentando e melhorando a vida dos 12,5 milhões de terceirizados – revelou.

A ideia do ciclo de audiências surgiu numa sessão temática realizada em maio no Auditório Petrônio Portella, com a participação de representantes do governo, sindicatos, empresas, Ministério Público, entre outros.  Os convidados debateram “A Lei Áurea, a terceirização e o combate ao trabalho escravo”.

Vários palestrantes, nas inúmeras reuniões ocorridas sobre o tema, se posicionaram contra a proposta. Lilian Marques, do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), associou a terceirização a condições análogas à escravidão. Nos dados analisados de 2010 a 2013, se constatou que quase 3 mil dos 3.553 casos de resgate de trabalhadores nessas situação envolviam terceirizados.

O presidente da Comissão de Trabalho da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Dino Andrade, considerou o projeto um “enorme retrocesso”, pois faculta aos empregadores o cumprimento de direitos básicos como o atendimento médico, ambulatorial ou de refeição. Já a juíza do trabalho Noêmia Aparecida criticou a possibilidade de inclusão das atividades-fim na terceirização. Para ela, o avanço da prática revela um cenário de “baixos salários, aumento dos acidentes de trabalho e burla ao direito de férias”.

Numa reunião específica para discutir a terceirização sob o ponto de vista da saúde, os convidados afirmaram que os terceirizados adoecem mais, já que a eles são assegurados menos direitos e benefícios. Além disso, afirmaram que a terceirização dos serviços de saúde pode prejudicar o atendimento à população.

Ajuste fiscal

Duas medidas provisórias (MPs 664 e 665/2014) que endureciam o acesso a benefícios previdenciários e integravam o pacote de ajuste fiscal do Executivo também foram tema de numerosos debates na CDH. Mesmo sob protestos, elas acabaram convertidas em lei, com alterações em alguns pontos.

Convidados a falar das mudanças durante a tramitação, os ministros do Trabalho e Emprego, Manoel Dias, e da Previdência Social, Carlos Gabas, afirmaram que as propostas não subtraíam direitos dos trabalhadores, apenas adequavam regras trabalhistas e previdenciárias à nova realidade do país: população em processo de envelhecimento, um desafio para a sustentabilidade da Previdência no futuro, e expectativa de vida crescente do brasileiro.

Uma das mudanças aprovadas foi a carência de 24 meses para a concessão de pensão por morte. Antes, o beneficiário tinha o direito de receber a pensão a partir de uma única contribuição mensal do segurado. A mudança atinge especialmente as jovens viúvas, que só poderão receber pensões, por um período reduzido de tempo, se comprovados dois anos de relacionamento. O benefício só será vitalício para mulheres acima de 45 anos. Também foram impostas regras mais restritivas para o acesso ao seguro defeso e ao seguro desemprego.

Para a maioria dos debatedores contrários às matérias, elas feriam o princípio da vedação do retrocesso social, ou seja, com restrição de direitos sociais que nunca deveriam retroceder, mas sempre avançar.

Representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e do Ministério Público do Trabalho disseram que ambas as medidas fazem uma verdadeira reforma na Previdência Social e são inconstitucionais por vícios formais e legais. Eles lembraram que a Constituição proíbe que seja tratada por medida provisória matéria que tenha sido objeto de emenda promulgada entre 1995 e 2001, o que era o caso das MPs.

A representante do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário, Ana Paula Fernandes, apontou vários pontos legais das medidas que ela considera inconstitucionais. Entre eles, a carência de 24 meses para receber a pensão por morte. Segundo Ana Paula, a regra atinge não só o cônjuge, mas os filhos. Caso percam o pai ou a mãe antes desse período, eles não receberão nada. Para ela, isso fere o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Saúde

A possibilidade de aborto garantido pelo Sistema Único de Saúde até 12 semanas de gravidez, com garantia de atendimento médico nos hospitais públicos e apoio psicológico e social às grávidas, também foi debatida na CDH.

O tema é objeto de uma sugestão legislativa (SUG 15/2014) feita pela população por meio do Portal e-Cidadania. O relator da sugestão, senador Magno Malta (PP-ES), decidirá se ela merece prosperar na Casa. O assunto dividiu a opinião dos convidados e dos senadores participantes das audiências públicas sobre o tema.

Os que defendem abortos seguros afirmam que esse é um problema de saúde pública que mata muitas mulheres todos os anos. Os que são contra, dizem que a vida deve ser preservada desde a sua concepção.

Doenças raras como a esclerose lateral amiotrófica (ELA), a anemia falciforme e a efetivação da aplicação da Política Nacional de Proteção dos Direitos do Autista (Lei 12.764/2012) também foram debatidas na comissão.

Racismo

Muitas audiências públicas giraram em torno da temática do racismo e da discriminação por raça e gênero.

Violência obstétrica no atendimento às grávidas negras nos hospitais; a defesa da redução da maioridade penal pela maioria da população, estimulada pelo discurso do “ódio e medo” contra os jovens infratores; e a apresentação de estatísticas mostrando que jovens negros e pobres são as maiores vítimas de violência no país foram alguns dos assuntos discutidos na CDH.

Também foi assunto de debate a violência por homofobia. Negros, jovens e do sexo masculino, geralmente vítimas de discriminação e agressões psicológicas em sua própria casa ou por parte de vizinhos tão jovens quanto eles, têm o perfil da maioria das vítimas de violência por orientação sexual e identidade de gênero, segundo levantamentos feitos pela Secretaria de Direitos Humanos (SDH) apresentados em audiência.

Uma das sugestões feitas durante a discussão é que atos de homofobia e transfobia sejam julgados como crimes de racismo.

 

 

 

Fonte: Agência Senado