ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS – INVESTIGAÇÃO CRIMINAL – MEIOS DE OBTENÇÃO DE PROVA – INFRAÇÕES PENAIS CORRELATAS – PROCEDIMENTO CRIMINAL

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ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS – INVESTIGAÇÃO CRIMINAL – MEIOS DE OBTENÇÃO DE PROVA – INFRAÇÕES PENAIS CORRELATAS – PROCEDIMENTO CRIMINAL 

(Lei n. 12.850/13)

 

FUNCIONÁRIO PÚBLICO ENVOLVIDO NAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS

COLABORAÇÃO PREMIADA  –  PERDÃO JUDICIAL

EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE

INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS

EFEITOS

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – ENRIQUECIMENTO ILÍCITO

PESSOAS JURÍDICAS – RESPONSABILIZAÇÃO POR ATOS CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA  (Lei n. 12.846/13)

QUESTÕES E DEBATES

 

I – CONSIDERAÇÕES  INICIAIS

PERDÃO  JUDICIAL

Com o advento da Lei n. 12.850, de 02.08.13, que  ‘’Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; …’’   veio novamente a lume o perdão judicial, causa extintiva da punibilidade (art. 107, IX, CP), e que consubstancia-se em direito público subjetivo (Cléber Masson, Direito Penal, Ed. Método, SP, 2003, vol. I, págs. 908/210).

Tal mecanismo legal, se levado para o domínio do direito disciplinar, demandará respostas fundamentadas – principalmente os pretensos efeitos no processo disciplinar – da decisão penal que conceder o perdão judicial  pelo fato da colaboração premiada  (art. 4º, caput, Lei nº 12.850/13).

Assim, restaria debater a possibilidade de projetar os efeitos do perdão judicial no apuratório disciplinar, de sorte a substituir a pena expulsória por outra menos gravosa.

Por fim, neste estudo, buscou-se examinar a legitimidade do apontado instrumento legal, é dizer, perdão judicial decorrente da colaboração premiada  frente aos princípios da moralidade e probidade administrativas na expressão do art. 37, caput e § 4º, da Carta Política.

DA  INFILTRAÇÃO  DE  AGENTES  DE  POLÍCIA

Registre-se, por oportuno, que o controvertido mecanismo que disciplina a infiltração de agente de polícia, previsto no art. 10, usque 14, da Lei n. 12.850, de 02.08.13, desafia abordagem específica e que será tratada em outra ocasião.

A propósito, na justificativa do projeto original da atual Lei nº 12.850/13  (PLS 150/2006) de autoria da Senadora Serys Slhessarenko, está dito:

‘’A proposta não hesita, ainda, em suprimir o instituto da ‘’infiltração policial’’ do direito brasileiro  (art. 2º, V, da Lei nº 9.034, de 3 de maio de 1995), porque viola o patamar ético-legal do Estado Democrático de Direito, sendo inconcebível que o Estado Administração, regido que é pelos princípios da legalidade e da moralidade (art. 37, caput, da CF), admita e determine que seus membros (agentes policiais) pratiquem, como co-autores ou partícipes, atos criminosos, sob o pretexto da formação da prova.’’

 

 I.a.  FUNCIONÁRIO PÚBLICO ENVOLVIDO NAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS

Deveras, no espaço do direito disciplinar, já se pode antecipar questões envolvendo o funcionário público em geral (art. 2º, caput, § 4º, inc. II, Lei n. 12.850/13), e, em especial, o agente de polícia, categoria profissional que detém singular responsabilidade frente ao comando do art. 144, caput, §§ 1º a 5º, da Constituição Federal, especialmente na ocorrência e nas consequências da colaboração premiada  e da infiltração  (arts. 3º, incs. I e VII, 10 e 13, § único, da Lei n. 12.850/13;  § 6º, art. 37, CF).

Imperioso salientar que inobstante o pesado gravame causado pela corrupção passiva praticada pelo servidor, aqui o legislador cuidou de uma modalidade de corrupção compartilhada e que traz potencial ofensivo de extrema gravidade, é dizer, atuação do funcionário público como integrante da organização criminosa, tanto assim que diz a Lei n. 12.850/13:

‘‘Art. 2o  Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.

§ 4o  A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços):

II – se há concurso de funcionário público, valendo-se a organização criminosa dessa condição para a prática de infração penal;

§ 5o  Se houver indícios suficientes de que o funcionário público integra organização criminosa, poderá o juiz determinar seu afastamento cautelar do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à investigação ou instrução processual.

§ 6o  A condenação com trânsito em julgado acarretará ao funcionário público a perda do cargo, função, emprego ou mandato eletivo e a interdição para o exercício de função ou cargo público pelo prazo de 8 (oito) anos subsequentes ao cumprimento da pena.

§ 7o  Se houver indícios de participação de policial nos crimes de que trata esta Lei, a Corregedoria de Polícia instaurará inquérito policial e comunicará ao Ministério Público, que designará membro para acompanhar o feito até a sua conclusão.’’  (grifei)

 

Pelo que se apresenta, a moralidade administrativa, princípio de dignidade constitucional (art. 37, caput e § 4º, CF), foi resguardada com acurado desvelo.

 

I.b. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – ENRIQUECIMENTO ILÍCITO – SINDICÂNCIA  PATRIMONIAL

Releva então destacar o § 4º, do art. 37, da Constituição Federal e a Lei n. 8.429/92 que reprimem, inclusive, os atos de improbidade administrativa, o enriquecimento ilícito e o dano ao erário:

‘’Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.’’  (grifei)  (§ 4º, art. 37, CF)

Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências.’’  (Lei n. 8.429/92)

É que, estando o funcionário público envolvido em organização criminosa, cabe à autoridade administrativa apurar igualmente o fato capaz de caracterizar o enriquecimento ilícito  e as medidas correspondentes, inclusive, a indisponibilidade, o sequestro dos bens e o ressarcimento ao erário. (Cf.: Sebastião José Lessa, Improbidade Administrativa, Doutrina e Jurisprudência, Enriquecimento Ilícito, … Ed. Fórum/BH, 2011)

A propósito, o Manual de Processo Administrativo Disciplinar editado pela e. Controladoria-Geral da União, 2013, ao cuidar da Sindicância Patrimonial, registrou:

‘’Destaca-se a sindicância patrimonial dos demais procedimentos investigativos, na medida em que possui escopo delimitado, constituindo importante instrumento de apuração prévia de práticas corruptivas envolvendo servidores públicos, na hipótese em que o patrimônio destes aparente ser superior à renda licitamente auferida.

  Nesse sentido, constitui a sindicância patrimonial um instrumento preliminar de apuração de infração administrativa consubstanciada em enriquecimento ilícito, tipificada no inciso VII do art. 9º da Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992 (Lei de Improbidade Administrativa), possuindo previsão normativa no Decreto n. 5.483, de 30 de junho de 2005, e na Portaria CGU n. 335, de 2006.’’  (grifei)  (Manual de Processo Administrativo Disciplinar, Controladoria-Geral da União, 2013, págs. 73/4) 

 

Portanto, repita-se, os princípios da moralidade e probidade administrativas (art. 37, caput e § 4º, CF), foram severamente cuidados.

 

I.c.  PESSOAS JURÍDICAS – RESPONSABILIZAÇÃO POR ATOS CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Com efeito, na lida diuturna visando o resguardo dos interesses da Administração Pública, recentemente veio a lume a Lei n. 12.846, de 01.08.13, denominada ‘’Lei Anticorrupção’’, com vacatio legis de 180 (cento e oitenta) dias (art. 31), e que ‘’Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências.’’  (grifei)

Em trabalho doutrinário, o alerta de Arnaldo Rizzardo Filho:

‘’Dessa forma, o sistema normativo jurídico brasileiro alargará seu âmbito de incidência, trazendo uma nova modalidade de responsabilidade até antes inexistente: a responsabilidade civil e administrativa das pessoas jurídicas utilizadas como meio de práticas de inúmeros atos ilícitos contra a Administração Pública, satisfazendo, de certo modo, os anseios de brasileiros que, diariamente, observam inúmeras fraudes praticadas sob o manto de um ente moral que, muitas vezes, apresenta em seu quadro societário  ‘’laranjas’’ que se prestam a saciar o escopo de pessoas que procuram, acima de qualquer juízo moral, enriquecer ilicitamente.’’  (grifei) (Pessoas Jurídicas – Responsabilização por Atos Contra a Administração Pública, Revista Jurídica Consulex, Ano XVII, n. 400, 15.09.13, pág. 52)

Oportuno lembrar que a mencionada Lei n. 12.846, de 01.08.13, publicada no DOU de 02.08.13, como está dito no art. 31, entrou em vigor 180 (cento e oitenta) dias após a data de sua publicação.     

 

II – FUNCIONÁRIO PÚBLICO ENVOLVIDO NAS AÇÕES DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS

De início, cabe lembrar que a responsabilidade pode ser tridimensionada, nos termos do art. 121, da Lei n. 8.112/90,  verbis:   ‘’O servidor responde civil, penal e administrativamente pelo exercício irregular de suas atribuições.’’   (grifei)

José Armando da Costa, em aclarada síntese, anota: ‘’Desde que o comportamento ilícito tenha eficácia para projetar efeitos nessas três esferas (disciplinar, civil e penal), poderá o servidor faltoso ser responsabilizado tridimensionalmente.’’  (Direito Administrativo Disciplinar, Ed. Brasília Jurídica, 2004, pág. 182)

 

II.a.  INCIDÊNCIA    (geral):  

        I.a.1.   PENAL:   arts. 317, … CP;  art. 2º, caput,  §§ e incs., Lei n.  12.850/13

 I.a.2.  DISCIPLINAR:   arts. 117, incs. IX e XII, e 132,  incs. I, IV, XI, Lei n. 8.112/90

I.a.3.   IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA:  art. 9º, inc. I, Lei n. 8.429/92      

 

II.b.  MEDIDAS PREVENTIVAS COMPLEMENTARES:  art. 2º, §§ 2º, 3º, 4º, II, 5º, 6º e 7º,   Lei n. 12.850/13;  arts. 5º, 6º,  7º,  § único, e 8º,  Lei n. 8.429/92.

 

II.c.  DIREITO DE POSTULAR:

  • Colaboração Premiada

(arts. 3º, I e 4º, caput, Lei n. 12.850/13)

 

  • Perdão Judicial

(art. 4º, caput e § 2º, Lei 12.850/13)

 

  • Direitos do Colaborador

(art. 5º, caput e incisos, Lei 12.850/13)

 

II.c.1.  COLABORAÇÃO PREMIADA

(arts. 3º, caput e inc. I,  4º, usque 7º, Lei n. 12.850/13)

 

Na redação do art. 3º, caput e inc. I,  da Lei n. 12.850/13, a colaboração premiada é elencada também como meio de obtenção de prova.

Balizando a utilidade, oportunidade, segurança e relevância desse expressivo instrumento legal que viabiliza a legítima coleta da prova em face do crime organizado, crava o art. 4º e incisos da Lei n. 12.850/13:

‘‘Art. 4o  O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:

I – a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;

II – a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;

III – a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;

IV – a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;

V – a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

…’’  (grifei)

 

Vale registrar os antecedentes desse meio lícito de obtenção de prova (art. 5º, LVI, CF c/c art. 157 e §§, CPP), introduzido na legislação brasileira por meio da Lei n. 8.079/90, que tratou dos crimes hediondos (art. 8º, § único):

 

‘’No direito italiano, as origens históricas do fenômeno dos  ‘’colaboradores da Justiça’’ é de difícil identificação; porém sua adoção foi incentivada nos anos 70 para o combate dos atos de terrorismo, sobretudo a extorsão mediante sequestro, culminando por atingir seu estágio atual de prestígio nos anos 80, quando se mostrou extremamente eficaz nos processos instaurados para apuração da criminalidade mafiosa.’’  (Eduardo Araújo da Silva, Crime Organizado – Procedimento Probatório, Ed. Atlas, SP, 2003, págs. 77 e79)

 

Convém ressaltar que a colaboração premiada capaz de propiciar concretamente os benefícios  enumerados no art. 4º, caput, da Lei n. 12.850/13, é dizer, perdão judicial, redução em até 2/3 (dois terços) da pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos, deve antes realizar um ou mais dos resultados indicados nos incisos do art. 4º da lei mencionada.

 

Tanto que está escrito no § 1º, do citado art. 4º:

 

‘’Em qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração.’’  (grifei)

 

E mais, no § 8º, do art. 4º:

 

‘’O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais, ou adequá-la ao caso concreto.’’  (grifei)

 

A propósito, discorrendo sobre o direito ‘’premial’’, anota Eduardo Araújo da Silva, no ponto em questão:

 

‘’Pela lei, o ‘’arrependido’’ poderia ser beneficiado como hipóteses de não-punibilidade, atenuantes e com a suspensão condicional da pena;  porém, a proteção poderia ser revogada se as declarações fossem mendazes ou reticentes.’’  (grifei)  (obra citada, pág. 79)

 

Então, a colaboração, para ser premiada e merecer o perdão, deve preencher  rigorosamente os requisitos da lei, tanto que:

 

‘’É mister prudência e cuidado na aplicação do perdão judicial, para que não se transforme, contra o espírito da lei, em instrumento de impunidade e, portanto, de injustiça’’ (grifei)  (JTACRIM 66/398 e RT 564/357)  (Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini, CP Interpretado, Ed. Atlas, SP, 7ª ed., 2011, fls. 571/4)

 

 

II.c.2.  PERDÃO JUDICIAL

(art. 4º, caput, Lei n. 12.850/13)

Para aclarar os fundamentos e a natureza do perdão judicial, consequência natural da colaboração premiada, a lição de Celso Delmanto:

‘’Até sua expressa inclusão, pela reforma penal de 84, entre as causas de extinção da punibilidade deste art. 107, o CP não dava nome a essa possibilidade de deixar de aplicar a pena, prevista para certas hipóteses.  Apesar disso, doutrina e jurisprudência sempre reconheceram nela o denominado perdão judicial.  A controvérsia a respeito dela cingia-se ao seu caráter de direito ou favor  e à natureza da sentença concessiva de perdão judicial.’’ (Celso Delmanto, Roberto Delmanto, Roberto Delmanto Junior e Fabio M. de Almeida Delmanto, Ed. Renovar, RJ, 6ª ed., págs. 208/210).

Mais adiante, o tema novamente será tratado, mormente quanto à natureza jurídica e efeitos da sentença concessiva do perdão judicial.

 

  III – DEBATE EM TORNO DOS EFEITOS DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE EM CONSEQUÊNCIA DO PERDÃO JUDICIAL (art. 107, inc. IX, CP c/c art. 4º, caput e § 2º, Lei n. 12.850/13) NAS AÇÕES CORRESPONDENTES:  Disciplinar (Lei n. 8.112/90)  e de  Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/92)

III.a. NATUREZA JURÍDICA DA SENTENÇA CONCESSIVA DO PERDÃO JUDICIAL – DIREITO OU FAVOR

 

  • STJ, Súmula n. 18

 

A sentença concessiva do perdão judicial é declaratória de extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório.’’  (grifei)

 

  • Na mesma linha:  STJ – REsp 39.756 RJ, Rel. Min. Jesus Costa Lima, DJ 14.03.94

 

 

Como é cediço, ‘’O perdão judicial é causa extintiva da punibilidade (CP, art. 107, IX), e consubstancia-se em direito público subjetivo, razão pela qual deve o magistrado concedê-lo ao réu quando presentes os requisitos exigidos em lei.   Em síntese, o juiz possui discricionariedade para verificar a presença dos requisitos legais, mais, se considera-los existentes, a aplicação do perdão judicial é obrigatória.’’   (grifei)  (Cleber Masson, Direito Penal, Vol. 1, Parte Geral, Ed. Método, SP, 7ª ed., 2013, págs. 908/910)

 

Com a mesma orientação: Celso Delmanto, Roberto Delmanto, Roberto Delmanto Junior e Fabio M. de Almeida Delmanto, Ed. Renovar, RJ, 6ª ed., págs. 208/210.

 

Embora a concessão do perdão judicial tenha razoável força vinculatória, nunca é demais avivar – na trilha do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF)  -, que  ‘’O princípio da legalidade impõe que o agente público observe, fielmente, todos os requisitos expressos na lei como da essência do ato vinculado.’’  (grifei) (Hely Lopes Meirelles,  Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, Ed. Malheiros, SP, 38ª ed., 2012, pág. 123)

 

Em tal contexto, diz a Lei n. 12.850/13, no art. 4º:

 

‘’§ 1º  Em qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração.

  • § 7º  Realizado o acordo na forma do § 6º, o respectivo termo, acompanhado das declarações do colaborador e de cópia da investigação, será remetido ao juiz para homologação, o qual deverá verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade, podendo para este fim, sigilosamente, ouvir o colaborador, na presença de seu defensor.
  • § 8º  O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais, ou adequá-la ao caso concreto.’’ (grifei)

 

Daí, a jurisprudência: 

 

‘’É mister prudência e cuidado na aplicação do perdão judicial, para que não se transforme, contra o espírito da lei, em instrumento de impunidade e, portanto, de injustiça’’ (grifei)  (JTACRIM 66/398 e RT 564/357)  (Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini, CP Interpretado, Ed. Atlas, SP, 7ª ed., 2011, fls. 571/4)

 

Pelo visto, a concessão do perdão judicial não traz a força inconteste de um direito líquido e certo, tanto que dispõe o § 1º, do art. 4º, da Lei n. 12.850/13:

 

‘’§ 1o  Em qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração.’’  (grifei)

 

 

III.b.   EFEITOS DA DECISÃO PENAL QUE EXTINGUE A PUNIBILIDADE

 

Fernando Capez, discorrendo acerca dos efeitos da sentença concessiva do perdão judicial, e mostrando o dissenso doutrinário e jurisprudencial destaca:

 

‘’2º) é declaratória da extinção da punibilidadea sentença que concede o perdão judicial é meramente declaratória da extinção da punibilidade, não surtindo nenhum efeito penal ou extrapenal.   Essa é a posição do Superior Tribunal de Justiça:  Súmula 18.  Como não se trata de questão de ordem constitucional, essa posição tende a se firmar como pacífica.’’  (grifei)  (Curso de Direito Penal, Parte Geral, 3ª edição, 1º vol., 2001, pág. 572)

 

Por aí se vê, iniludivelmente, que o perdão judicial não atinge, com força de interdependência, a esfera de competência da autoridade administrativa.

 

 

III.c.   INDEPENDÊNCIA E INTERDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS

    

José Cretella Júnior, com a consagrada autoridade, observa que, na prática, ocorre com maior frequência, a absolvição no juízo criminal, e a punição na esfera administrativa, posto que  “Aquilo que é bastante para a incriminação administrativa é, muitas vezes, insuficiente para a delineação da figura penal, base de condenação.”

Igualmente esclarece que ‘’Tudo gira, pois, em torno do fato, existência ou inexistência. Ou da prova da existência do fato.  Ou da capitulação do fato como infração penal.  Ou da suficiência ou insuficiência de provas para a condenação. Ou ainda da existência de circunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena.’’  (grifei)  (Prática do Processo Administrativo, Ed. RT, SP, 1988, págs. 116 e 121)

Ainda acerca da independência e interdependência das instâncias, Guilherme de Souza Nucci, contribuindo expressivamente para a exata compreensão do tema, assegura que:

 

’Fazem coisa julgada no cível:

 

  a) declarar o juiz penal que está provada a inexistência do fato (art. 386, I, CPP);   b) considerar o juiz penal, expressamente, que o réu não foi o autor da infração penal, ou, efetivamente, não concorreu para a sua prática (art. 386, IV, CPP).  Reabrir-se o debate dessas questões na esfera cível, possibilitando decisões contraditórias, é justamente o que quis a lei evitar (art. 935, CC, 2ª parte).’’ (grifei) (Código de Processo Penal Comentado, Ed. RT, SP, 10ª ed., 2011, pág. 192)

 

  Em torno do tema – independência e interdependência das instâncias –, a doutrina:  Léo da Silva Alves, Processo Disciplinar em 50 Questões, Ed. Brasília Jurídica, 2002, pág. 156;   Mauro Roberto Gomes de Mattos, Lei n. 8.112/90 Interpretada e Comentada, Ed. América Jurídica, RJ, 2005, págs. 608/645;   Sebastião José Lessa, Direito Administrativo Disciplinar Interpretado pelos Tribunais, Ed. Fórum-BH, 2008, págs. 29/36;  Sandro Lúcio Dezan, Direito Administrativo Disciplinar, Princípios Fundamentais, vol I, Ed. Juruá, Curitiba/PR, 2013, pág. 242/4;  Palhares Moreira Reis, Processo Disciplinar, Ed. Consulex, 2ª ed., 1999, págs. 198/201;  Manual de Processo Administrativo Disciplinar, Controladoria-Geral da União, 2013, fls. 26 a 28.

 

 

 III.c.1.   LEGISLAÇÃO CORRESPONDENTE

 

  • Lei n. 8.112/90

 

‘’ Art. 125.  As sanções civis, penais e administrativas poderão cumular-se, sendo independentes entre si.

 

    Art. 126.  A responsabilidade administrativa do servidor será afastada no caso de absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria.’’   (grifei)

 

  • Código Penal

(exclusão de antijuridicidade ou ilicitude)

 

’Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato:

I – em estado de necessidade;

II – em legítima defesa;

III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

Parágrafo único.  O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.’’  (grifei)

 

  • Código de Processo Penal

 

‘’Art. 65.  Faz coisa julgado no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular do direito.’’  (grifei)

 

‘’Art. 66.  Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato.’’ (grifei)

 

‘’Art. 67.  Não impedirão igualmente a propositura da ação civil:

 …

II – a decisão que julgar extinta a punibilidade;  (grifei)

…’’

 

  • Código Civil

 

‘’Art. 935.  A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.’’  (grifei)

 

 

III.c.2.   JURISPRUDÊNCIA

 

  • INDEPENDÊNCIA E INTERDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS

 

‘‘FUNCIONALISMO. DEMISSÃO. ABSOLVIÇÃO CRIMINAL. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS.

Embora possa ter sido absolvido o funcionário na ação penal a que respondeu, não importa tal ocorrência na sua volta aos quadros do serviço público, se a absolvição se deu por in­suficiência de provas, e o servidor foi regularmente submetido a regular inquérito administrativo, no qual foi apurado ter ele praticado o ato pelo qual veio a ser demitido. A absolvição criminal só importaria anulação do ato demissório se tivesse ficado provado, na ação penal, a inexistência do fato ou que o acusado não fora o autor.’’ (grifei) (STF, Pleno, MS 20.814, Rel. Min. Aldir Passarinho, DJ 24.05.91;   Independência das Instâncias in Manual de Processo Administrativo Disciplinar, Controladoria-Geral da União, 2013, pág. 27)

 

‘‘RESP - ADMINISTRATIVO - PENAL - JURISDIÇÃO - SERVIDOR - SANÇÃO - A JURISDIÇÃO PENAL  PREVALECE  RELATIVAMENTE A ORDEM ADMINISTRATIVA. REPERCUTE DE MODO ABSOLUTO QUANDO O PROCESSO PENAL  ABSOLVE  O  RÉU, AO FUNDAMENTO DE INEXISTÊNCIA DO FATO, OU DE AUTORIA. NOS DEMAIS CASOS, INTERCOMUNICAM-SE. NESSE LIMITE, A SANÇÃO ADMINISTRATIVA E INCENSURÁVEL. SUM. 18/STF.’’  (grifei)  (STJ, REsp 55362 BA, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ 17.03.97)

’PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ART. 105, INCISO II, LETRA “B”, DA CONSTITUIÇÃO. ARQUIVAMENTO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. INDEFERIMENTO.  ABSOLVIÇÃO PELOS MESMOS FATOS EM SENTENÇA CRIMINAL. INFLUÊNCIA.

I – A RECORRENTE FOI ABSOLVIDA, NA COMARCA DE CAMPO GRANDE, PELOS FATOS QUE LHE FORAM ASSACADOS, OS QUAIS SÃO IDÊNTICOS AOS DO PROCESSO ADMINISTRATIVO.

II – NO ENTANTO, A SENTENÇA ABSOLUTÓRIA FUNDOU-SE NO INCISO III, DO ART. 386, DO C.P.P., OU MELHOR, NÃO CONSTITUIR O FATO INFRAÇÃO PENAL E, POR TAL MOTIVO, O TRIBUNAL A QUO DENEGOU A SEGURANÇA, HAJA VISTA QUE, SOMENTE QUANDO HOUVER SIDO, CATEGORICAMENTE, RECONHECIDA A INEXISTÊNCIA MATERIAL DO FATO – INCISO I, DO ART. 386, DO C.P.P., INCIDIRIA O ART. 66, DO C.P.P., O QUAL INFLUENCIA NA INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA.

III – ‘IN CASU’, A SENTENÇA ABSOLVITORIA, PELO SEU TEOR, CONSIDEROU PROVADA A INEXISTÊNCIA DO FATO E, DESSA FORMA, E APLICÁVEL O ART. 66 DO C.P.P.

IV- EM ASSIM  SENDO, DÁ-SE PROVIMENTO AO RECURSO, CONCEDENDO A SEGURANÇA A FIM DE QUE SEJA EXTINTO O PROCESSO ADMINISTRATIVO.’’  (STJ, RMS 2611 SP, Rel. Min. Pedro Acioli, DJ 23.08.93)

 

  • EXCLUDENTE DE ANTIJURIDICIDADE – REPERCUSSAO NO ÂMBITO ADMINISTRATIVO

 

‘’RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. VIOLAÇÃO AO ART. 535, CPC. INEXISTÊNCIA. PROCESSO ADMINISTRATIVO. ABSOLVIÇÃO CRIMINAL. LEGITIMA DEFESA. EFEITOS NO ÂMBITO ADMINISTRATIVO.
I - Não ocorre ofensa ao art. 535 do CPC se o e. Tribunal de origem, sem que haja recusa à apreciação da matéria, embora rejeitando os embargos de declaração, considera não existir defeito a ser sanado.
II -  Os efeitos da absolvição criminal por legítima defesa devem se estender ao âmbito administrativo e civil. Desse modo, tendo sido o autor posteriormente absolvido na esfera criminal em razão do reconhecimento de uma excludente de antijuricidade (legítima defesa real própria), impõe-se, in casu, a anulação do ato que o demitiu do serviço público pelos mesmos fatos.
Recurso conhecido em parte e, nesta extensão, provido.’’  (grifei)  (STJ, REsp 396756 RS, Rel. Min. Félix Fischer, DJ 28.10.03)

·       EXTINÇÃO DE PUNIBILIDADE – EFEITO CONTINGENCIADO

‘’EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. TEMPESTIVIDADE. COMPROVAÇÃO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. CONSUMAÇÃO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.
4. Extinta a condenação pela prescrição, extingue-se também a condenação pecuniária fixada como reparação dos danos causados à vítima, nos termos do art. 387, IV, do Código de Processo Penal, pois dela decorrente, ficando ressalvada a utilização de ação cível, caso a vítima entenda que haja prejuízos a serem reparados.
5. Embargos de declaração acolhidos, com a atribuição de efeitos infringentes, para reconhecer a tempestividade do recurso especial. De ofício, nos termos do art. 61 do Código de Processo Penal, declara-se extinta a punibilidade dos embargantes, pela prescrição da pretensão punitiva, nos termos do art. 107, IV, c/c o art. 109, V e parágrafo único, e 114, II, do Código Penal, ficando sem efeito também a indenização fixada com base no art. 387, IV, do Estatuto Processual Penal, ressalvada à vítima a utilização de ação cível.’’  (grifei)  (STJ, EDcl no AgRg no REsp 12.60305 ES, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe 19.03.13)

Dessarte, a concessão do perdão judicial e a consequente extinção da punibilidade  (art. 4º, caput, e § 2º, Lei n. 12.850/13 c/c art. 107, inc. IX, CP), diante da independência das instâncias, não repercute necessariamente além do correspondente processo penal.

 

III.d.  COLABORAÇÃO  EFETIVA  E  VOLUNTÁRIA  PARA  A  INVESTIGAÇÃO  E  O  PROCESSO  CRIMINAL – LEI 9.807/99 – REPERCUSSÃO NO ÂMBITO DISCIPLINAR – DEBATE – STJ, MS 9.660- DF, DJ 23.05.05

 

Defronte de tese ainda embrionária a respeito inclusive da projeção, por analogia, no sítio disciplinar, da redução de pena no caso de colaboração voluntária ou premiada (art. 14, Lei n. 9.807/99), colhe-se do voto condutor do aresto referenciado:

 

‘’ III – Violação do princípio da isonomia:

 A aplicação de penalidade diversa a servidor investigado não implica tratamento discriminatório injustificado.

 Verifica-se que órgão processante, após a conclusão dos trabalhos investigatórios e do relatório final, desclassificou a conduta imputada ao servidor acima mencionada na peça de indiciamento, ao considerar a confissão espontânea e contribuição pessoal para a elucidação da investigação, e aplicou-lhe a reprimenda proporcional à conduta praticada, in verbis :

Sua conduta merece reprovação,  mas,  consubstanciado na sua colaboração, que ofertou a comissão uma decisão mansa e pacífica, precipuamente, no tocante a conduta da indiciada …, detalhando com minúcias a prática perniciosa do uso do cargo público para obtenção de vantagem ilícita.

  Destarte, por questão de justiça, reconhecemos que ocorreu uma colaboração espontânea do indiciado …, que foi relevante para o fortalecimento do conjunto probatório.

  Desta maneira, o servidor …, merece uma reprovação proporcional a sua efetiva participação, atenuada pela confissão espontânea, importante na construção da prova.    Por este motivo, decidimos, que as violações contidas no indiciamento, com fulcro na lei 9.807/99, com aplicação por analogia, permite a desclassificação para o inciso III, do artigo 116, da lei 8.112/90.” (fls. 80/81)

 Assim, a diferenciação das penalidades infligidas à Impetrante (demissão) e ao servidor … (advertência) devem-se, sobretudo, à distinção de natureza e gravidade das infrações perpetradas pelos servidores e, também, ao reconhecimento de circunstâncias pessoais favoráveis apresentadas tão-somente pelo servidor apenado com advertência.

  Inexiste, desta forma, violação ao princípio da isonomia.’’ (grifei)  (STJ, MS 9660 DF, Terceira Seção, un., Relª Min. Laurita Vaz, DJ 23.05.05)

 

Apesar da autoridade do julgado (STJ, MS 9660 DF, DJ 23.05.05), é razoável sustentar, em nome da moralidade e probidade administrativas (art. 37, caput, § 4º, CF; art. 2º, caput, inc. IV, Lei n. 9.784/99), que a colaboração voluntária ou premiada (art. 14, Lei n. 9.807/99), não deve repercutir necessariamente além do correspondente processo penal.

 

Conveniente, no ponto, a doutrina ao redor do inciso IX, do art. 117, da Lei nº 8.112/90, assim redigido:  ‘valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública.’’

 

‘’Se, por um lado, para o pleno desempenho das atribuições do seu cargo, o agente público é investido de competências, poderes e prerrogativas, por outro lado, em razão da função de interesse público que executa, sobre ele imperam comprometimentos especialíssimos de conduta, não só de ordem legal mas também moral (atente-se que esta função sempre é voltada ao interesse público, tais como controle, arrecadação, gestão, planejamento, polícia, judicatura, assistência social, dentre tantas).’’  (Marcos Salles Teixeira, Controladoria-Geral da União, Manual de processo Administrativo Disciplinar, pág. 293, 2012)

 

Logo, não há como conceber a permanência nos quadros do Serviço Público de servidor que tenha confessado a prática de conduta infamante.

 

Por fim, a Formulação n. 141 – DASP, recepcionada pelo Decreto-lei nº 200/67, arts. 115 e 116, já assentava:   ‘’O atual Estatuto dos Funcionários não admite se substitua a pena de demissão pela de suspensão.’’

 

 

IV –  CONCLUSÃO         

 

Diante do exposto, com base na lei e na jurisprudência, e considerando que:

a)      Nos termos do art. 126, da Lei n. 8.112/90,  ‘’A responsabilidade administrativa do servidor será afastada no caso de absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria;’’  (grifei)

 

b)      Também, em regra, será afastada a responsabilidade administrativa quando a decisão penal reconhecer a exclusão da antijuridicidade ou ilicitude  (art. 23, incisos e § único, CP);

 

c)      Segundo o art. 65, do Código de Processo Penal,   ‘’Faz coisa julgado no cível a sentença penal que reconhecer ter sido ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular do direito;’’  (grifei)

 

d)      Dispõe o art. 66, do Código de Processo Penal, que:  ‘’Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato;’’ (grifei)

 

e)      O Código Civil, no art. 935, prescreve que: ‘’Art. 935.  A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal;’’  (grifei)

 

f)       O perdão judicial (art. 4º, caput, Lei n. 12.850/13) é causa de extinção da punibilidade  (art. 107, inc. IX, CP);

 

g)      Na expressão do art. 67, do Código de Processo Penal,  ‘’Não impedirão igualmente a propositura da ação civil:

 …

II – a decisão que julgar extinta a punibilidade;  (grifei)

…’’

 

h)      ‘’a sentença que concede o perdão judicial é meramente declaratória da extinção da punibilidade, não surtindo nenhum efeito penal ou extrapenal.   Essa é a posição do Superior Tribunal de Justiça:  Súmula 18.  Como não se trata de questão de ordem constitucional, essa posição tende a se firmar como pacífica;’’  (grifei)  (Fernando Capez, Curso de Direito Penal, Parte Geral, 3ª edição, 1º vol., 2001, pág. 572)

 

i)        Apesar da autoridade do julgado (STJ, MS 9660 DF, DJ 23.05.05), cremos, em nome do princípio da moralidade administrativa (art. 37, caput, § 4º, CF; art. 2º, caput, inc. IV, Lei n. 9.784/99), que a colaboração voluntária ou premiada (art. 14, Lei nº 9.807/99) não deve repercutir necessariamente além do correspondente processo penal.

 

Releva aduzir que a probidade administrativa foi erigida como conduta fundamental e indissociável do agente público (§ 4º, art. 37, CF).

 

Oportuno consignar que a Formulação n. 141 – DASP, recepcionada pelo Decreto-lei nº 200/67, arts. 115 e 116, já assentava:   ‘’O atual Estatuto dos Funcionários não admite se substitua a pena de demissão pela de suspensão.’’

Por fim, a Advocacia-Geral da União emitiu o Parecer nº GQ 117, publicado no DOU de 17.12.98, com a seguinte ementa:   ‘’Verificadas a autoria e a infração a pena de demissão não se atenua.’’    De igual alcance o Parecer nº GQ 183, da Advocacia-Geral da União, publicado no DOU de 31.12.98, assim sumulado:  ‘’É compulsória a aplicação de penalidade expulsiva, se caracterizada a infração disciplinar antevista no art. 132 da Lei nº 8.112 de 1990.’’  (grifei)

 

E como é cediço,  ‘’o parecer aprovado e publicado juntamente com o despacho presidencial vincula a Administração Federal, cujos órgãos e entidades ficam obrigados  a lhe dar fiel cumprimento’’  (grifei),  ex vi do art. 40, § 1º, da LC 73, de 1993.

 

Então, é possível concluir, com arrimo na doutrina e jurisprudência,  que a decisão penal que em razão da colaboração premiada, concede o perdão judicial, traz por consequência, na esfera da ação penal,  a extinção da punibilidade  (art. 4º, caput e § 2º, da Lei n. 12.850/13 c/c art. 107, inc. IX, do CP), não surtindo, diante da independência das instâncias, nenhum efeito penal ou extrapenal  (Cf.: Fernando Capez, obra citada, pág. 572), portanto desinfluente   inclusive na ação disciplinar  (Lei n. 8.112/90) e de improbidade administrativa  (Lei n. 8.429/92).

 

Ademais, a repercussão extrapenal do perdão judicial concedido ao funcionário transgressor da lei, iria igualmente de encontro com os princípios da moralidade e probidade administrativas cravados no art. 37, caput, § 4º, da Carta Política e avivado no art. 2º, caput, inc. IV, da Lei n. 9.784/99.

 

Brasília, 24 de março de 2014.

 

 

Autor:  Sebastião José Lessa  (OAB/DF 11.364)

Membro do Conselho Diretor ADPF – Associação Nacional dos Delegados  de Polícia Federal

2º Vice-Presidente Jurídico da ADEPOL-Brasil – Associação dos Delegados de Polícia do Brasil

 

 

Autor dos livros:           Do Processo Administrativo Disciplinar e da Sindicância, Ed. Fórum/BH/MG, 5ª ed., 2009, 1ª reimpressão – 2011; Temas Práticos de Direito Administrativo Disciplinar, Ed. Brasília Jurídica, 2005 (esgotado); O Direito Administrativo Disciplinar Interpretado pelos Tribunais, Ed. Fórum, BH/MG, 2008; A Improbidade Administrativa,  Enriquecimento Ilícito, Sequestro e Perdimento de Bens, Ed. Fórum, BH/MG, 2011;    Juristas do Mundo, vários autores, Ed. Rede, Brasília/DF, 2012, págs. 125/135.

 

 

 

ÍNDICE  DAS  MATÉRIAS

 

I  –  CONSIDERAÇÕES  INICIAIS

I.a.  FUNCIONÁRIO PÚBLICO ENVOLVIDO NAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS

 I.b. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – ENRIQUECIMENTO ILÍCITO – SINDICÂNCIA  PATRIMONIAL

 I.c. PESSOAS JURÍDICAS – RESPONSABILIZAÇÃO POR ATOS CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

II – FUNCIONÁRIO PÚBLICO ENVOLVIDO NAS AÇÕES DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS

   II.a.  INCIDÊNCIA  (geral):  

           I.a.1.   PENAL:   arts. 317, … CP;  art. 2º, caput,  §§ e incs., Lei n.  12.850/13

    I.a.2.  DISCIPLINAR:   arts. 117, incs. IX e XII, e 132,  incs. I, IV, XI, Lei n. 8.112/90

   I.a.3.   IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA:  art. 9º, inc. I, Lei n. 8.429/92      

  II.b.  MEDIDAS PREVENTIVAS COMPLEMENTARES: art. 2º, §§ 2º, 3º, 4º, II, 5º, 6º e 7º,   Lei n. 12.850/13;  arts. 5º, 6º,  7º e  § único e 8º,  Lei n. 8.429/92.

 II.c.  DIREITO DE POSTULAR:

  • Colaboração Premiada

(arts. 3º, I e 4º, caput, Lei n. 12.850/13)

  • Perdão Judicial

(art. 4º, caput e § 2º, Lei 12.850/13)

  • Direitos do Colaborador

(art. 5º, caput e incisos, Lei 12.850/13)

II.c.1.  COLABORAÇÃO PREMIADA

(arts. 4º, usque 7º, Lei n. 12.850/13)

 

II.c.2.  PERDÃO JUDICIAL

(art. 4º, caput, Lei n. 12.850/13)

III – DEBATE EM TORNO DOS EFEITOS DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE EM CONSEQUÊNCIA DO PERDÃO JUDICIAL (art. 107, inc. IX, CP c/c art. 4º, caput e § 2º, Lei n. 12.850/13) NAS AÇÕES CORRESPONDENTES:  Disciplinar (Lei n. 8.112/90)  e  Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/92)

III.a. NATUREZA JURÍDICA DA SENTENÇA CONCESSIVA DO PERDÃO JUDICIAL – DIREITO OU FAVOR

 

III.b.   EFEITOS DA DECISÃO PENAL QUE EXTINGUE A PUNIBILIDADE

 

III.c.   INDEPENDÊNCIA E INTERDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS

 

    III.c.1.   LEGISLAÇÃO CORRESPONDENTE

 

III.c.2.   JURISPRUDÊNCIA

 

 INDEPENDÊNCIA E INTERDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS

 

EXCLUDENTE DE ANTIJURIDICIDADE – REPERCUSSAO NO ÂMBITO ADMINISTRATIVO


         EXTINÇÃO DE PUNIBILIDADE – EFEITO CONTINGENCIADO
 

III.d.  COLABORAÇÃO  EFETIVA  E  VOLUNTÁRIA  PARA  A  INVESTIGAÇÃO  E  O  PROCESSO  CRIMINAL – LEI 9.807/99 – REPERCUSSÃO NO ÂMBITO DISCIPLINAR – DEBATE  (STJ, MS 9.660- DF, DJ 23.05.05)


 

IV –  CONCLUSÃO