Liberdade com responsabilidade

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Liberar adolescentes que não estão prontos para retornar à convivência social é um desrespeito, tanto ao direito dos próprios adolescentes como ao direito de todos os cidadãos

Por Flávia Ferrer *

A violência é um assunto que desperta a atenção, hoje, em todas as esferas. A preocupação é visível no seio de todas as famílias e na atitude das pessoas que andam em nossas ruas.

As estatísticas de crimes graves, como roubo, tráfico, estupro, homicídio e latrocínio, são alarmantes, e a crescente atuação de adolescentes na prática dessas infrações provoca debates acalorados acerca da redução da maioridade penal.

A realidade em nosso estado, hoje, é a de que os jovens estão se envolvendo cada vez mais cedo com a marginalidade. Os “chefes” do tráfico já perceberam, há algum tempo, a leniência com que a lei e a Justiça tratam os adolescentes, que, hoje, dentro da estrutura do crime, são escolhidos para atividades de risco, como transporte de quantidades relevantes de entorpecente ou invasão de pontos rivais. A prática de homicídios relacionados ao tráfico de entorpecentes também é tarefa conferida aos adolescentes, notadamente porque, mesmo que apreendidos, ficarão pouco tempo longe das ruas. Com efeito, os adolescentes relatam que, após a rápida passagem pela Justiça, são acolhidos pelos traficantes e “sobem” na hierarquia do tráfico.

O Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que, ao adolescente em conflito com a lei, podem ser impostas medidas socioeducativas. A mais grave delas, por importar privação de liberdade, é a medida de internação, que tem duração máxima de três anos e deve ser reavaliada a cada seis meses, no máximo. Dispõe também que, cometido o delito antes dos 18 anos, o jovem pode cumprir medida socioeducativa até os 21 anos.

Todos os adolescentes internados no Estado do Rio de Janeiro têm, e sempre tiveram, suas medidas reavaliadas na forma da lei do Sinase (Lei nº 12.594/12), que determina que, para que a internação possa ser reavaliada, deve estar presente um relatório elaborado pela equipe técnica do programa de atendimento ao jovem. O relatório deve conter, necessariamente, a evolução individualizada da situação do adolescente no cumprimento do plano individual de atendimento, abrangendo os resultados da avaliação interdisciplinar e a análise das metas estabelecidas para cada caso em concreto.

As unidades de internação estão, em nosso estado, superlotadas. Temos cerca de 2.100 internos em unidades com apenas 1.500 vagas. Diversas ações judiciais e extrajudiciais já foram manejadas, pelo Ministério Público, para construção de novas unidades e para dotar as unidades existentes com os recursos necessários à socioeducação, como determina a lei. Cabe à Justiça enfrentar as ações propostas e ao Estado cumprir tais decisões, quando proferidas.

De fato, algo precisa ser feito! Entendemos, no entanto, que a liberação em massa dos adolescentes internados, a maioria deles por prática de atos infracionais graves, como tem sido feito no Estado do Rio de Janeiro, em que pese seja a solução mais simplista, está longe de ser a mais adequada e a mais responsável.

A orientação dada aos juízes da área infracional de nosso estado, em descumprimento à lei e ao entendimento dos tribunais superiores, é de que o adolescente, qualquer que seja o delito que ele tenha cometido, deve ser liberado ao completar 18 anos. Isso cria uma situação social gravíssima, pois concede salvo-conduto a todo jovem, a partir dos 17 anos, para que cometa qualquer infração, por mais grave e atroz que seja.

Não há dúvida que os direitos dos adolescentes têm que ser preservados, e a defesa desses direitos é uma das funções institucionais do Ministério Público, mas liberar adolescentes que não estão prontos para retornar à convivência social é um desrespeito, tanto ao direito dos próprios adolescentes como ao direito de todos os cidadãos.

A liberação de jovens que ainda não estão em um estágio mínimo de ressocialização é uma irresponsabilidade! Esses jovens, no retorno às ruas, somente aumentarão as estatísticas, já alarmantes, de criminalidade, trazendo risco à sua própria vida e à sociedade.

Flávia Ferrer é procuradora de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro*

Fonte: Jornal O Globo