Coluna ‘Atualização Jurídica’: Mandado de prisão (sem mandado de busca) autoriza entrada em residência?

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Por Delegado Bruno Zanotti

Inicialmente, esse questionamento veio de um policial, tema que já foi pedido em concurso público. E ainda possui relevantes repercussões práticas!

O que diz o CPP, o STJ e a doutrina?

Imagine a seguinte situação REAL que me foi narrada pelo policial:

Um grupo de policiais, de posse exclusivamente de um mandado de prisão, identifica que o foragido está em certa residência (a partir de informações de uma interceptação telefônica em curso), cujo acesso é obstaculizado pelo morador da casa, de modo a impedir a prisão do foragido. O policial civil pode, legalmente e constitucionalmente, forçar a entrada na residência a fim de prender a pessoa com mandado de prisão, mas sem um mandado de busca e apreensão direcionado para a mencionada residência?

O cenário narrado é regulado pelo art. 293 do CPP, o qual sofreu alteração com a reforma de 2011 e, atualmente, possui a seguinte redação:

Art. 293. Se o executor do mandado verificar, com segurança, que o réu entrou ou se encontra em alguma casa, o morador será intimado a entregá-lo. À vista da ordem de prisão. Se não for obedecido imediatamente, o executor convocará duas testemunhas e, sendo dia, entrará à força na casa, arrombando as portas, se preciso; sendo noite, o executor, depois da intimação ao morador, se não for atendido, fará guardar todas as saídas, tornando a casa incomunicável, e, logo que amanheça, arrombará as portas e efetuará a prisão.

Nestor Távora e Rosmar Alencar, além de Tourinho, entendem que o artigo acima é inconstitucional por violar o art. 5º, inciso XI, da Constituição Federal, além de não preencher um dos requisitos da representação pela busca e apreensão, qual seja, a individualização prévia da residência (art. 243, I, CPP), não sendo possível a existência de um mandado de busca e apreensão genérico.

De forma contrária, Guilherme de Souza Nucci defende que inexiste necessidade de autorização judicial específica para proceder o arrombamento das portas e o ingresso forçado no ambiente, ao argumento de que o CCP confere tal legitimidade ao portador do mandado de prisão. Em nosso livro Delegado de Polícia: teoria e prática (8º ed., Juspodivm), colocamos que é correta a posição deste autor, na medida em que, de acordo com a dicção legal, todo mandado de prisão traz em si, implicitamente, uma ordem de busca e apreensão da pessoa foragida, independentemente do local em que ela esteja. Não se trata, tal como defendem os autores citados anteriormente, de um mandado de busca e apreensão genérico, uma vez que a individualização existe a partir do caso concreto que se apresenta aos policiais. A residência na qual a busca será executada, portanto, é devidamente individualizada com a efetiva presença, no seu interior, do cidadão ao qual a ordem de prisão é direcionada.

E qual a posição do STJ? DIVERGENTE!

5º turma – aplica o art. 293 (caput):

“Nos termos do dispositivo no art. 293 do CPP, o mandado de prisão expedido por autoridade competente é suficiente para autorizar o ingresso dos policiais no domicílio da ré, durante o dia, independente de permissão específica para a entrada na residência ou do consentimento do morador.”

(HC 559.652/MA, 06/2020 e AgRg no HC 830017 – 06/2023)

Ainda para a 5º Turma, esse ingresso NÃO possibilita aos policiais acesso irrestrito ao local para procederem buscas de outro itens potencialmente criminosos por caracterizar o chamado fishing expedition (pescaria predatória por provas). Contudo, se durante a diligência os policiais visualizarem itens criminosos decorrentes da correta atuação policial, eles poderão fazer a apreensão, como no caso de visualizarem armas e drogas numa mesa da sala por onde passaram para realizar a prisão do alvo.

6º turma – NÃO aplica o art. 293 (caput):

O art. 283, § 2º, do CPP determina, expressamente, que em cumprimento de mandado de prisão – ou busca e apreensão de menor, como no caso em tela -, ´[a] prisão poderá ser efetuada em qualquer dia e a qualquer hora, respeitadas as restrições relativas à inviolabilidade do domicílio’, o que não autoriza o ingresso na residência sem prévia autorização judicial ou sem prévia autorização do morador devidamente comprovada e ausente de vícios.

(AgRg no REsp 2009839, 05/23)

Prof. e Del. Bruno Zanotti – Doutor e Mestre em Direitos em garantias fundamentais. Professor de Direito Constitucional e Investigação Criminal. Prof. no Curso Ênfase e em pós-graduações. Autor de obras publicadas pela Editora Juspodivm. Delegado de Polícia da PC-ES. É Diretor da ADEPOL DO BRASIL