Coluna ‘Atualização Jurídica’: Delegado de polícia se sujeita às exceções de impedimento e suspeição? (STF + STJ – 03/23)

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Por Delegado Bruno Zanotti

Imagine o seguinte caso: Delegado de Polícia instaura inquérito policial em face de um inimigo da sua família, medida que desencadeou até a prisão do alvo, procedimento que chegou até o TJ do respectivo Estado.

O tema é regulado pelo seguinte artigo do CPP:

Art. 107. Não se poderá opor suspeição às autoridades policiais nos atos do inquérito, mas deverão elas declarar-se suspeitas, quando ocorrer motivo legal.

O que é “motivo legal”?

Os motivos legais estão elencados no art. 254 do CPP:

Art. 254. O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes:

I – se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles;

II – se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia;

III – se ele, seu cônjuge, ou parente consanguíneo, ou afim, até o terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes;

IV – se tiver aconselhado qualquer das partes;

V – se for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes;

VI – se for sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada no processo.

O CPP impõe um dever à Autoridade Policial para que ela se declare suspeita quando ocorrer motivo legal; no entanto, qual a consequência em relação aos elementos informativos produzidos por esse Delegado de Polícia se o mesmo não se declara suspeito quando deveria assim proceder?

Tratamos do tema no livro, Delegado de Polícia: teoria e prática (ed. Juspodvm). Se o presidente do procedimento tem interesse direto no deslinde da causa, por qualquer dos motivos elencados no rol do art. 254 do CPP, os elementos informativos produzidos seguirão essa tendência, podendo levar a não produção de determinado elemento informativo ou mesmo a não elaboração de determinada pergunta por ocasião dos interrogatórios ou depoimentos. Aceitar esse tipo de postura significa macular o próprio sistema de direitos fundamentais que norteia o processo penal, em especial porque esse direcionamento dado nos elementos informativos iniciais acarretará uma reação em cadeia, de modo a impregnar, inclusive, os quesitos feitos em provas técnicas ou mesmo a solicitação e execução de medidas cautelares, impactando a ação penal e, consequentemente, a absolvição ou a condenação do cidadão.

Contudo, outra é a posição do STF (RHC 131450, julgado em 03/05/2016):

“A suspeição de autoridade policial não é motivo de nulidade do processo, pois o inquérito é mera peça informativa, de que se serve o Ministério Público para o início da ação penal”.

Em julgado de março de 2023 o STJ seguiu a mesma linha do STF:

Eventual vício do inquérito, decorrente de impedimento ou suspeição do Delegado de Polícia, não contamina a ação penal respectiva, considerando não se tratar de elementos de convicção a ser utilizado como único meio de prova em decisão penal condenatória. (AgRg no AREsp n. 1.551.087/SP, 03/2023)

Esses entendimentos dos Tribunais Superiores não compreendem a relevância da fase pré-processual após a Constituição Federal de 1988, que, mais uma vez, relega a investigação criminal a um plano secundário, como também o fazem inúmeros manuais de processo penal da “doutrina especializada” que só repetem os posicionamentos citados, que de “especializada” pouco ou nada possuem.

Prof. e Del. Bruno Zanotti – Doutor e Mestre em Direitos em garantias fundamentais. Professor de Direito Constitucional e Investigação Criminal. Prof. no Curso Ênfase e em pós-graduações. Autor de obras publicadas pela Editora Juspodivm. Delegado de Polícia da PC-ES. É Diretor da ADEPOL DO BRASIL