Coluna ‘Atualização Jurídica’: DELEGADO DE POLÍCIA DEVE APLICAR O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA?

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Por Delegado Bruno Zanotti

Inicialmente, algumas considerações sobre o princípio.

Para Roxin, o princípio da insignificância se apresenta como corolário do princípio da intervenção mínima, este direcionado por suas 2 diretrizes base: a subsidiariedade (caráter secundário) e a fragmentariedade (bem jurídico relevante + lesão ou perigo de lesão).

Nessa linha, o princípio da insignificância surge, assim, como  instrumento de interpretação restritiva do tipo penal que não deve ser considerado apenas em seu aspecto formal, de subsunção do fato à norma, mas, primordialmente, em seu conteúdo material, de cunho valorativo, no sentido da sua efetiva lesividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal.

Para o STF, a aferição da insignificância como requisito negativo da tipicidade envolve um juízo de tipicidade conglobante: importa investigar o desvalor da ação criminosa em seu sentido amplo. É por isso que o Tribunal exige os 4 requisitos para a sua caracterização:

a) Mínima ofensividade da conduta;

b) Conduta não possui qualquer periculosidade social da ação;

c) Grau reduzido de reprovabilidade do comportamento; e

d) Inexpressividade da lesão jurídica provocada

Afastada a tipicidade, também está afastada a existência do crime! Como consequência, eventual ação ou investigação será arquivada.

Mas, cabe ao Delegado de Polícia fazer tal análise?

O STJ TEM PRECEDENTE RECENTE PELA POSSIBILIDADE!

No RHC 126272 (06/2021), em um típico caso de insignificância que chegou ao STJ, o Ministro Relator destacou que o Delegado de Polícia foi o único a agir corretamente dentre os demais agentes estatais (MP e Poder Judiciário), de modo a aplicar precedentes da Corte ao não ratificar a prisão em flagrante, reconhecendo o valor irrisório do produto furtado, dentre outros requisitos.

Nesses casos, o Delegado de Polícia pode deixar de lavrar o APFD, como indicou o STJ. Ademais, como eu mesmo já fiz inúmeras vezes, havendo elementos suficientes para análise conclusiva da insignificância, é possível, inclusive, deixar de instaurar inquérito policial e arquivar o Boletim de Ocorrência à luz da análise de todos os pontos colocados nesse post. E, SIM, Delegado pode arquivar BO, já que se trata de um mero procedimento de verificação preliminar de informações (VPI). Só não pode arquivar IP. Se não existe o crime, não existe motivo para instaurar IP.

E a pergunta que mais recebo: Mas professor, você já aplicou o princípio da insignificância em sua atividade?

POSITIVO! E nem comecei agora. Já faço isso há mais de 10 anos. Nos casos em que a insignificância era evidente, o procedimento era feito em sede de VPI para posterior arquivamento.

Uma observação final

O Delegado precisa determinar o encaminhamento de cópia ao MP ou PJ se o arquivar o Boletim de Ocorrência/VPI?

Todo o procedimento é feito em sede de BOLETIM DE OCORRÊNCIA/VPI (não existe IP instaurado), de modo que não existe determinação legal para o delegado enviar para MP ou PJ. Alguns poucos Estados possuem normativa estadual pela obrigatoriedade de envio para o MP. Em qualquer caso, o procedimento ficará na Delegacia para fins de controle externo da atividade policial.

Prof. e Del. Bruno Zanotti – Doutor e Mestre em Direitos em garantias fundamentais. Professor de Direito Constitucional e Investigação Criminal. Prof. no Curso Ênfase e em pós-graduações. Autor de obras publicadas pela Editora Juspodivm. Delegado de Polícia da PC-ES. É Diretor da ADEPOL DO BRASIL