ARTIGO: O FISIOLOGISMO DA REPÚBLICA DE COMPADRES

0
2049

Por Francisco Enaldo Filho*

Não discorreria sobre aspectos conceituais já tão exaustivamente expendidos a fim de evitar digressão. Concentrar-me-ei no fulcro da indagação de candência e respostas predominantemente consensuais. A perspectiva talvez um tanto idílica do processo de descentralização administrativa, encartolada em 1967, reforçada com a emenda constitucional n. 19 de 1998, de prestígio à tecnicidade, especialização e incorruptibilidade, promovendo mais eficiência (elevado à categoria de princípio) e qualidade ao serviço público, no transcorrer do tempo mostrou sua faceta ilusória. Na verdade serviu à multiplicação de pessoas, inchando a máquina, para, numa relação fisiológica própria do modelo político brasileiro, lotear a administração pública e alocar o maior número de apadrinhados, ignorando a perseguição do ideal republicano.
Com efeito, a preocupação de descongestionar o exercício de certas funções, no afã de atingir excelência, passou ao largo da realidade brasileira.
Cabe gizar os casos das agências reguladoras que, na grande maioria, são ineficazes e jamais conquistaram autonomia de fato e proteção frente a interferências externas. Não cumprem sua finalidade especifica com isenção vez que tendem fortemente ao mercado, numa total subversão do papel máximo fiscalizador.
Outro exemplo, que escancara a contrafação administrativa, está nas empresas estatais prestadoras de serviço público, porquanto não passam de autarquias dissimuladas, o que torna injustificável a aplicação do regime jurídico híbrido. Deturpa-se o modelo de descentralização incorporando normas privadas a fim de construir possibilidade para o arbítrio.
Na toada de deformidade também se destacam aquelas do terceiro setor ou paraestatais, em boa parcela, consubstanciadas para escoar recurso público, dada o parco controle e a ínfima penetração de regras do direito público. Ressalto que as normas de direito administrativo existem, em grande medida, para proteger o interesse dos administrados, principalmente para se preservar contra a corrupção.
Nesse mesmo fluxo, encontramos as parcerias público-privadas, indisfarçáveis contratos administrativos comuns, que desrespeitam a previsão orçamentária do Estado e o desiderato da licitação e do contrato, consagrando prazo demasiadamente dilatado o qual impossibilita rediscussão do objeto e disputabilidade próxima visando melhoramento na consecução do interesse público.
Assim, exsurge com tanta pujança e necessidade de leis recrudescendo o tratamento dispensado ao tema, impondo maior transparência, supervisão e mecanismos de responsabilização, com ênfase nos programas de compliance, minimizando tais inflexões no sistema pátrio.

*Delegado de Polícia Civil no Espírito Santo; Diretor da ADEPOL-ES; cronista nas horas vagas.