ANÁLISE PRELIMINAR DA PRIMEIRA AUDIÊNCIA PÚBLICA DA COMISSÃO DE REFORMA DO CÓDIGO PENAL, NA PARTE QUE TRATA DOS CRIMES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

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 Plenário do Tribunal Superior do Trabalho, 23.03.12. 

1.  É muito importante para todos, a feliz iniciativa de rever, consolidar e atualizar nosso Código Penal, dado que, como é cediço, a lei é estática, mas o fato é dinâmico.
Assim, torna-se necessário buscar o constante aperfeiçoamento das leis, sobretudo aquelas que regem a prevenção e repressão dos ilícitos penais

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Segundo o Relator da Comissão o trabalho será guiado visando  ”Um Código Penal moderno, de aplicação, discriminalizador e desencarcerador, respeitador dos direitos fundamentais, mas atento à impostergáveis necessidades de proteção social de bens jurídicos; este é o desenho almejado. Um texto menos orientado para sutis minúcias filosóficas, e mais para as questões práticas trazidas pela vibrante e plúrima sociedade em que se converteu nosso grande país é onde queremos chegar.” (Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, Revista Jurídica Consulex, n. 363, 01.03.12, pág. 29)
A comissão é  composta dos seguintes membros:  Ministro Gilson Dipp do STJ (Presidente);  Procurador Regional da República da 3a Região SP – Dr. Luiz Carlos dos Santos Gonçalves (Relator); Demais membros:  Ministra Maria Thereza de Assim Moura (STJ);  Antônio Nabor Areias Bulhões (Advogado);  Emanuel Messias Oliveira Cacho (Advogado);  Gamil Foppel El Hireche (Advogado)  José Muiños Piñeiro Filho (Desembargador RJ);  Juliana Garcia Belloque (Defensora Pública);  Luiza Nagib Eluf (Procuradora de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo);  Instituto de Pesquisa e Cultura – Conselheiro da Anhanguera Educacional – Luiz Flávio Gomes (professor);  Marcelo André de Azevedo – Promotor de Justiça – GO – Ministério Público, Procuradoria de Recursos Constitucionais;  Marco Antônio Marques da Silva – Desembargador do TJ de São Paulo;  Marcelo Leal Lima Oliveira (Advogado);  Marcelo Leonardo (Advogado);  René Ariel Dotti (Advogado e Professor);  Técio Lins e Silva (Advogado);  Tiago Ivo Odon (Consultor do Senado).

2.   A Audiência Pública, do dia 23 de março do corrente ano, contou com expressivos segmentos do Estado e da sociedade.  Estiveram presentes os representantes do Ministério Público, Magistratura, Polícia, Procuradorias dos Estados, Defensoria Pública, Controladoria-Geral da União, Secretaria da Receita Federal, Comissão de Valores Mobiliários, Advocacia-Geral da União, Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), Banco Central do Brasil, Ordem dos Advogados do Brasil, Transparência Brasil, IBCrim, entre outros.

Nessa audiência foram estabelecidos os destaques que certamente nortearão os trabalhos da Comissão de Reforma, ficando constatado a justificada preocupação com a impunidade, dado que as nossas leis substantivas     e adjetivas estão em patamares satisfatórios.
A preocupação geral, em verdade, é com o número excessivo de recursos processuais, o que fragiliza  a efetiva concretização dos julgados, atingidos constantemente pelo instituto da prescrição.
3. As propostas sugeridas estão dirigidas sobretudo para buscar o ordenamento lógico e sistemático, valendo registro o entendimento de Emanuel Cacho, Membro da Comissão de Reforma do Código Penal:  ”No Brasil, além do Código vigente, há 118 leis especiais que definem tipos penais e lidam com 1.600 crimes, tendo a Comissão a difícil missão de organizar a legislação penal, que se transformou em um mosaico disforme, composto de inumeráveis tipos e condutas, devendo o anteprojeto reduzí-las a um ordenamento lógico e sistemático, e que tenha coerência jurídico-social e alcance a compreensão popular.”  (Revista Jurídica Consulex n. 363, 01.03.12, pág.30)

4.   Com relação ao crime de desacato, retirado pelo projeto inicial, fizemos uma sustentação no sentido de manter o delito capitulado no artigo 331, do Código Penal, dado que tal dispositivo é, inclusive, um garante efetivo para o exercício do poder de polícia, definido no art. 78, da Lei n. 5.172/66 (Código Tributário   Nacional).
A propósito, quando da discussão e publicação da Lei n. 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da OAB), veio a lume o artigo 7º,  §§ 2º e 3º, com a seguinte redação:
      ”§ 2º.  O advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer.
§ 3º.  O advogado somente poderá ser preso em flagrante, por motivo de exercício da profissão, em caso de crime inafiançável, observado o disposto no inciso quarto deste artigo
.” (grifei)
Tais dispositivos foram questionados no c. Supremo Tribunal Federal, por meio da ADI 1127 – STF, da relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, manejada pela Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, merecendo destacar da ementa:
A imunidade profissional do advogado não compreende o desacato, pois conflita com a autoridade do magistrado na condução da atividade jurisdicional.” (grifei)
Comentando o Estatuto da Advocacia e da OAB, colhe-se da doutrina, citando o REsp 151.840 MG, da relatoria do Ministro Sálvio de FIgueiredo Teixeira:
A imunidade profissional, garantida ao advogado pelo novo Estatuto da Advocacia e da OAB não alberga excessos cometidos pelo profissional em afronta à honra de qualquer das pessoas envolvidas no processo, seja magistrado, a parte, o membro do Ministério Público, o serventuário ou o advogado da parte contrária”.   Afinal, segundo firme jurisprudência da Corte,  ”a imunidade conferida ao advogado no exercício de sua bela e árdua profissão não constitui um bill of indemnity”   (Gradiston Mamede, A Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil, Ed. Atlas, SP, 2a ed., 2003, págs. 84/5)
Releva dizer, por pertinente, que a mencionada ADI n. 1127 STF, encontra-se aguardando julgamento de Embargos de Declaração opostos pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, em 21.06.10.


Pelo que se vê, trata-se de questão extremamente delicada.

5.  Por fim, levando em consideração os acordos e tratados internacionais firmados pelo Brasil, foi sugerido a inclusão no Código Penal, na parte que trata da corrupção passiva, de um tipo penal, com a redação do inciso VII, do art. 9º, da Lei n. 8.429/92, que reprime a improbidade administrativa, na modalidade do enriquecimento ilícito presumido, conduta típica já referendada pela jurisprudência:  STJ, MS 12.536 DF, rel. Min. Laurita Vaz, DJe 26.09.08;  TJSP, Apelação n. 0018566-33.2013.8.26.0053, rel. Des. Laerte Sampaio, 3ª Câmara de Direito Público, julg. 12.04.11.
Adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público.’’ (grifei)


Tal tipo seria apenado nos mesmos moldes do art. 317, § 1º, do Código Penal.

Tais questões receberam tratamento mais aprofundado no livro de nossa autoria:  Improbidade Administrativa, Doutrina e Jurisprudência, Ed. Fórum/BH, 2011.

Em arremate, é preciso destacar que as nossas leis, mormente aquelas que reprimem a corrupção e a improbidade administrativa, em verdade, estão alinhadas com a realidade jurídica internacional.

Cremos que a questão crucial está em minimizar ou neutralizar o prejuízo causado pelo número excessivo de recursos, o que, na prática, inviabiliza, a mais não poder, a efetiva e concreta responsabilização penal, gerando o danoso clima de impunidade.

Nunca é demais lembrar que o crime gera efeitos deletérios, mas a impunidade  produz consequências danosas ainda maiores.

 

Sebastião José Lessa.

Delegado de Polícia Federal (aposentado)

2º Vice – Presidente Jurídico Adepol do Brasil

OAB/DF 11.364