A força da palavra deve ser sustentada na mediação penal

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A distinção entre justiça e injustiça encontra na vítima o enunciador de um lugar: eu sou vítima. De regra, o “justiçado”, por assim dizer, não se promove, nem fica muito bem dizer isto, salvo por outros interesses. Mas deixemos isto de lado. Enfim, a vítima dá o seu testemunho, a sua versão, do que foi acometida e clama por Justiça. De alguma maneira, pois, a resposta pretendida (Justiça) implica na incidência de alguma coisa sobre o oposto: o agressor, o violentador. E a teoria do Direito, da Justiça Restaurativa partem da vítima para reconstruir os alicerces de um pensamento “responsável”[1].

A ideia aqui é justamente a contrária. Quem sabe se possa pensar em relações verticais, semiditas, em que a colocação de antemão, na condição de vítima, seja justamente o que impede, por assim dizer, que a coisa aconteça. Perceba-se que abandonar um lugar é muito complicado, ainda mais quando a estrutura mantém este lugar como sendo o que é passível de proteção. Na mediação e na Justiça Restaurativa, talvez, seja o fato de se pretender um diálogo horizontal que impeça que se estabeleça um sentido compartilhado, mas não necessariamente de consenso.

Mas em que consiste a distinção entre compartilhado e consensuado? O compartilhado decorre de um manifestar de vontade em que as posições, embora embaralhadas, podem ser compreendidas e mesmo que o orgulho, o narcisismo ou outro condicionante, de fato, intervenha, realiza-se o luto, a saber, segue-se adiante. Não se trata de alguém aferrado ao seu lugar de vítima ou agressor, mas um igual, mediado. Na busca pelo consenso, muitas e muitas vezes, diante de sua tradução jurídica, procura-se colocar em termos, escritos, repetir o que ficou acordado. Neste momento, penso, seja onde justamente se perde um dos fundamentos maiores da mediação: a credibilidade da palavra.

Ao mesmo tempo que se diz que a palavra deve ser o fundamento, ou seja, em ouvir e ser ouvido, no passo subsequente há uma desconfiança constitutiva em face de condicionante herdado da modernidade pelo qual tudo deve ser claro e transparente, vertido em escrito. Talvez seja o sintoma de que, na hipótese, a mediação não se deu por sujeitos enunciadores, mas participantes de um simulacro público-privado, em que a atuação estratégica foi preponderante. Dito de outra forma, não houve uma atuação deliberada, mas pensada na lógica dos custo-benefício. Isso não exclui, claro, a hipótese em que os próprios falantes desejam colocar isto no escrito e levar consigo uma garantia simbólica da palavra. Essa decisão, todavia, não pode ser um a priori nem a exteriorização do resultado compartilho. Pode ser apenas uma parte.

Assim, em tempos de valorização do discurso de mediação e da Justiça Restaurativa, parece importante relevar o papel fundante da palavra, do silêncio, sem que os protocolos de atuação se sobreponham ao valor de enunciação. Aprende-se com Juan Carlos Vezzulla e Luis Alberto Warat que as propostas consensuais podem dialogar com o Direito e, eventualmente, serem materializadas em termos jurídicos. Mas a compulsão de dar forma jurídica pode ser o oposto da cultura de mediação. A mediação é uma proposta aberta e que nos últimos tempos, infelizmente, foi tida como um mero subsistema do Processo (civil, penal, trabalhista, etc.). É preciso sustentar o grande diferencial: a força e a ética da palavra.

Então é Natal… e um Ano Novo também.

 

Fonte: ConJur