“Temos grandes doutores do Direito, mas o sistema precisa é de bons gestores”

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No aniversário de cinco anos do chamado “processo cidadão”, implantado na 7ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo, o juiz Ali Mazloum decidiu dar uma passo além no projeto. Em abril, ele oficializou a utilização do aplicativo WhatsApp, de troca de mensagens, nos trâmites do processo. O objetivo é dar celeridade à Justiça, concluindo o processo no prazo máximo de dez meses.

Com o aplicativo, o juiz se comunica com advogados, procuradores, testemunhas e réus para lembrá-los da data de audiência, agendar consultas aos autos ou retiradas de certidões e alvarás.

O método é elogiado por alguns e criticado por outros. Para Mazloum, no entanto, está claro que o sistema de Justiça precisa sofrer mudanças profundas, que necessitam da tecnologia: “O Judiciário não consegue enxergar que está na hora de investir nos juízes, mas na área de TI, na área de gestão. É isso que vai tirá-lo do lugar onde está. Se você continuar fazendo sempre a mesma coisa você vai continuar obtendo sempre o mesmo resultado.”

A vara em que atua tem uma média de 270 processos em andamento. Em 90% dos casos, conta Mazloum, são encerrados em até dez meses, como previsto no processo-cidadão.

Apesar de se considerar um juiz pragmático, Ali Mazloum publicou cinco livros – quatro na área jurídica e outro sobre liderança e negócios. Recentemente concluiu mestrado sobre reserva de jurisdição na investigação criminal e um MBA em gestão e diz que tem novos projetos em vista.

Para ele, é hora do magistrado tomar para si o papel de juiz-gestor.  “A organização que não trabalha hoje com 70% da sua força de trabalho em projetos vive no passado.”

Mazloum diz ainda que o Conselho Nacional de Justiça precisa ser instrumento fundamental para a implantação dessa mudança. “O CNJ tem desempenhado um papel importante como órgão de controle, mas falta nele o papel de órgão líder nessa área de gestão.”

Falta também ao conselho discutir o Judiciário do futuro, inclusive no que tange a questão da sustentabilidade, segundo o magistrado. “Hoje já podemos pensar em um prédio da Justiça Federal sustentável, com sistema de reutilização de água, com um sistema de aproveitamento de energia solar… O CNJ ainda tem pela frente um futuro muito promissor para capitanear esse tipo de cultura.”

Tal olhar, diz ele, vem do seu percurso de vida. Antes do Direito, Mazloum se formou em Arquitetura e Urbanismo. Optou pela carreira de promotor e, depois, de juiz, mas não deixou de lado a preocupação sobre os aspectos arquitetônicos e cenográficos, inclusive no Judiciário, onde testemunhas e réus prestam depoimentos.

Filho de imigrantes libaneses, começou a trabalhar desde criança no comércio do pai, na região da Penha, em São Paulo. A escolha pela carreira jurídica feita por ele e por quatros irmão advém da influência paterna. “Meu pai sempre foi muito correto e justo, a ponto de receber o apelido de outros comerciantes de ‘senhor nota fiscal’, pois ele, ao contrário de muitos, emitia documento fiscal em cada venda que fazia”, exemplifica.

Em seu percurso no Direito, foi promotor de Justiça. Na magistratura federal, passou pela Vara de Execuções Fiscais em Presidente Prudente e na Vara Civil de São Paulo, como substituto. Está na 7ª Vara Criminal da 3ª Região desde 1997, onde recebeu a ConJur para uma entrevista que durou mais de duas horas.

Leia a entrevista:

ConJur — O uso do aplicativo Whatsaap no andamento dos processos foi oficializada mês passado na vara em que o senhor atua. Como se dá a utilização dessa tecnologia?
Ali Mazloum —
Quando há utilização do aplicativo, a gente imprime a comunicação feita e coloca no processo. Tomamos todo cuidado para não haver nulidade. Tivemos um caso na qual a testemunha respondeu a nossa mensagem dizendo que não poderia ir à audiência. Ele fotografou o atestado médico e enviou a imagem pelo aplicativo. Sem a ferramenta, só saberíamos disso no dia da audiência ou nem saberíamos. A testemunha simplesmente não viria e isso poderia travar tudo. Não poderíamos ouvir as testemunhas de defesa, fazer o interrogatório… Dentro da metodologia do processo-cidadão, o objetivo é julgar o processo em dez meses. Nesse caso que citei, se não houvesse a troca de mensagem, todo aquele preparativo iria por água abaixo. Por isso a importância de usar essa tecnologia. Resolvemos a questão combinando com a testemunha uma conversa pelo Skype.

Em outro caso, enviamos uma mensagem no WhatssApp para a testemunha que não havia chegado para a audiência. Após ser informada, ela respondeu, questionando se era possível aguardar a chegada dela. E em 40 minutos ela estava aqui. Para nós é vantajoso esperarmos quarenta minutos, uma hora, do que remarcar. Isso se chama gestão do processo, gestão da crise, coisa que muito juiz do Judiciário não está fazendo. Noventa e nove por cento dos juízes em um caso desses já redesigna. Por isso que o processo demora quatro, três anos. A tecnologia ajuda nessas situações.

O modelo tradicional de processo se tornou obsoleto hoje para a nossa metodologia de trabalho e para os nossos prazos, então eu fui procurando encontrar meios que fossem compatíveis com as minhas necessidades.

ConJur — Como os colegas magistrados reagiram a essa iniciativa?
Ali Mazloum —
Alguns fazem gozação. Tem críticas: “Ih, isso aí vai gerar nulidade”, porém, como disse, tomamos todos os cuidados.

Desde 2008, eu tenho feito esse trabalho e o Judiciário é muito resistente a mudanças. O Poder Judiciário hoje é um grande mamute. A introdução de metodologias novas, o uso da tecnologia, não é bem recebida num primeiro momento. Nesse caso específico do WhatsApp, eu já vinha fazendo muita coisa com SMS primeiro.

No caso dos advogados, por exemplo. Alguns nos enviam mensagens informando que vem aqui para ver o processo. Quando o processo não está aqui, informo de imediato pelo aplicativo. É uma ida e vinda a menos, uma petição a menos. Com isso, diminuímos o fluxo de gente no prédio, o fluxo de trânsito. Se pensarmos nisso numa escala macro, contribuiríamos para diminuição dos índices de acidentes e assaltos de alguma maneira.

ConJur — De onde veio essa metodologia de trabalho?
Ali Mazloum —
É fruto da experiência e do estudo, de planejamento. O processo-cidadão é conjunto de práticas, dentro do quadro legal, porém com as nossas regras.

ConJur — Quando nasceu a meta dos dez meses?
Ali Mazloum —
Começou a germinar em 2008, e, em 2010, oficializei. Como oficializei a Portaria que trata do Whatsapp agora em abril, mas já vinha usando de forma experimental antes.

ConJur — Qual o índice de cumprimento dessa meta?
Ali Mazloum
— Eu posso dizer tranquilamente 90%. Cumpro o prazo inclusive em operações policiais, que normalmente envolvem muitos réus. Às vezes vai um pouquinho mais, mas, veja, ainda assim, é prazo, que, para o “padrão Brasil” é super razoável. Só não atinjo a meta quando tem que cumprir diligência fora do país.

ConJur — Alguns especialistas colocam que não caberia ao juiz ser gestor de vara ou do processo, ele teria que ser um julgador, e a Justiça deveria se moldar pra criar um novo cargo para que houvesse um gestor na vara. O senhor concorda?
Ali Mazloum —
Eu discordo diametralmente. Acho que o Judiciário precisa se modernizar. Existe uma afirmativa com a qual eu concordo muito. Ela é mais ou menos assim: a organização que não trabalha hoje com 70% da sua força de trabalho em projetos vive no passado. Se pegarmos hoje o Poder Judiciário, sua força de trabalho não chega a 1% na área de projetos. Ele não se deu conta do quanto está atrasado, que o sistema penitenciário, penal e de Justiça estão falidos. Existe um abismo entre a Justiça e a área de ciência e tecnologia.

ConJur — A tecnologia tem se aproximado pelo menos da Ciência do Direito e da Ciência Criminal, ou o Direito como um todo está afastado disso?
Ali Mazloum —
Eu acho que a gente está muito longe de tudo que o mundo tem inovado. Estamos fazendo muito do mesmo e a gente não sai do lugar. O Judiciário não consegue enxergar que está na hora de investir nos juízes, mas na área de TI, na área de gestão e é isso que vai tirar o Judiciário do lugar onde está. Se você continuar fazendo sempre a mesma coisa, vai continuar obtendo sempre o mesmo resultado. A gente tem hoje grandes doutores do Direito, temos grandes filósofos. Só que isso não vai tirar o Judiciário dessa morosidade, dessa mesmice. Temos um sistema falido aqui e do outro lado temos ciência e tecnologia despontando. Faltam bons gestores na área de Direito.

ConJur — A Folha de S.Paulo publicou reportagem na semana passada falando do “aplicativo vírus” que a Polícia Federal quer utilizar em investigações para obter outros dados do celular — além da ligação de voz —, como e-mails, comentários, perfis em rede social e a própria conversa no WhatsApp do dono da linha telefônica. Há previsão legal para isso?
Ali Mazloum —
Eu não parei para estudar esse aplicativo, mas existe sigilo de conversa telefônica e sigilo de comunicações telemáticas, bem como existe a possibilidade de quebra disso com autorização judicial. Então, desde que haja autorização judicial…

ConJur — Mesmo uma apreensão de dados remota, sem a pessoa saber?
Ali Mazloum —
Não quero dar uma resposta conclusiva, mas estamos falando de tecnologia. Se a gente pode chegar num avanço desse tipo, numa tecnologia que possibilite isso em vez de ser por meio físico, e desde que haja autorização judicial e especificação para que tipo de crime caberia essa quebra… Eu acho que aí precisa ver quem é o investigado, analisar o sigilo da fonte. No caso de pornografia infantil, por exemplo, é necessário ingressar, inclusive nesse sigilo de dados. Mas realmente não conheço esse aplicativo noticiado.

ConJur — Já se trabalha muito com quebra do sigilo do WhatsApp?
Ali Mazloum —
Sim. É o sigilo telemático, é uma autorização normal.

ConJur — E é alto o número de pedidos?
Ali Mazloum —
Não tem sido muito comum, pelo menos pra nós aqui na Vara. Mas a verdade seja dita: tem aumentado de uma forma geral essa forma de investigação com a quebra de sigilo de dados. É uma tendência mundial.

ConJur — A delação pode ser o primeiro indício para se executar prisões?
Ali Mazloum —
Sou contra começar a aplicar medidas violadoras de direito fundamental a partir de uma mera delação ou uma carta anônima. No caso de delação, não basta acusar, tem que ser documentado, com prova. Isso é delação. Fora isso, é uma acusação ou confissão. Uma delação propriamente dita não se está só com base no verbo. Ela precisa apresentar a prova, um documento de depósito, por exemplo.

ConJur — Quando não aceitar uma delação?
Ali Mazloum —
Quando é inconfiável. Eu já tive caso aqui de delator cuja delação eu não aceitei. Tomei aquilo como parcial confissão e condenei-o. Entendi que ele, na verdade, não trouxe nada de novo. Na delação, tem que trazer elemento realmente novo, não é simplesmente falar: “Fulano participou”.

ConJur — O ministro Marco Aurélio criticou formas de obter a delação a partir de prisão. Isso faz sentido para a Justiça que a gente tem atualmente?
Ali Mazloum —
Não. A lei não tem essa previsão de prisão para fins de delação, ela não traz esse tipo de autorização. Isso aí seria uma forma de tortura para obter uma confissão, uma delação.

ConJur —  A delação tem sido usada mais agora ou ela só ficou em evidência por que ela está numa operação mais conhecida?
Ali Mazloum —
Ela foi regulamentada agora de forma mais pormenorizada. Um caso de repercussão a colocou mais em evidência. Por isso, acredito que é um instrumento que vai passar a ser mais utilizado.

ConJur — Aqui, na 7ª Vara, ela é bastante utilizada?
Ali Mazloum —
Eu tenho uns três ou quatro casos. Mas é preciso cuidado, porque a delação está sendo subvertida. Está sendo usada pelo patrão delatando o mordomo, o empregado. Não é para isso que é feita. Se continuar como está, amanhã vai funcionar justamente para manter impune quem a Justiça queria alcançar. É uma forma de subverter o sistema e isso com o beneplácito da Justiça, com o nosso carimbo.

ConJur — Qual sua opinião sobre a execução da pena logo após a decisão em segunda instância?
Ali Mazloum —
Temos o princípio da presunção de inocência, que é um princípio caro ao Brasil, importante. Agora, a gente precisa realmente entender o que ele significa. No caso da Lei da Ficha Limpa, por exemplo, entendeu-se que ele não precisa esperar o trânsito em julgado para impedir que a pessoa possa deixar de se candidatar. Acho que talvez seja uma boa medida também, havendo já um julgamento de primeira instância, depois de um colegiado confirmando a condenação, talvez aí seja um meio termo para o que se pretende estabelecer como parâmetro para se iniciar o cumprimento de uma condenação. Não é nem esperar o trânsito em julgado, porque realmente demora, há muitos recursos. Por outro lado, a condenação em primeira instância, por si só, não permite, porque seria um ato arbitrário.

ConJur — Caberia cortar alguns recursos do nosso processo penal?
Ali Mazloum —
O processo penal, no nosso sistema recursal, ainda é melhor que o sistema recursal do processo civil. Se chegarmos nesse meio termo de iniciar o cumprimento da pena já com o julgamento da segunda instância, acho que resolve o problema. Eventualmente para o advogado e para réu já não interessará recorrer, porque o recurso é justamente para evitar o cumprimento da pena, tentar jogar com a prescrição. Caso ele comece a cumprir a pena após decisão na segunda instância, ele não teria esse tipo de vantagem. Então, talvez nem recorresse.

ConJur — Nesse mesmo período em que o juiz federal Sergio Moro e a Associação dos Juízes Federais do Brasil se manifestaram a favor da antecipação da execução da pena, o governo federal apresentou um pacote anticorrupção, o Ministério Público Federal apresentou outro pacote — que incluía, inclusive, a proposta de o uso de prova ilícita não anular o processo… O senhor acha que a gente está vendo a escalada do punitivismo no Brasil?
Ali Mazloum —
Não tenho dúvida. O nosso discurso continua sendo o discurso do Direito Penal inimigo, o discurso populista, o clamor das ruas continua movendo a atividade, tanto do Judiciário quanto do Legislativo. Acho que nós não temos pautado nosso trabalho de acordo com aquilo que deve ser feito mesmo. Então, é mais fácil você reduzir a idade penal ou tentar consertar esse menor? Eu sou totalmente contra, não vai resolver em nada reduzir, ao contrário, você vai piorar, vai aumentar ainda mais a criminalidade no país, vai jogar logo de cara no sistema penal mais 30 mil pessoas. Serão pessoas que serão de imediato aliciadas pelas organizações criminosas.

ConJur — Qual seria o resultado imediato no caso da não anulação do processo pelo uso da prova ilícita?
Ali Mazloum —
O aumento no uso da prova ilícita. Ao invés de nós termos um processo penal voltado para o respeito aos direitos fundamentais, para a dignidade da pessoa humana, ou um processo penal de acordo com o Estado Democrático de Direito, a gente vai voltar para um estado penal ditatorial. E isso é deletério, é maléfico, porque acaba se voltando contra as pessoas de bem também. Amanhã não é o bandido que vai ser vítima disso, são as pessoas de bem. Então, eu acho que podemos ter um bom sistema penal, um bom processo, um bom sistema de investigação. O problema é querer ser imediatista, querer resolver as coisas para ontem.

ConJur — Nos últimos anos, vimos grandes operações (satiagraha, castelo de areia, sundown) serem derrubadas em instâncias superiores por conta de erros da acusação, erros que ficaram comprovados no processo. O que leva a essa quantidade de erros?
Ali Mazloum —
Eu acho que a gente tem um problema no nosso sistema processual. Eu volto a dizer, é um sistema em que você não sabe muito bem qual é o papel do Ministério Público, qual é papel da polícia e qual é o papel do Judiciário na investigação. Como a gente acaba tendo pessoas que não devem estar numa investigação, de repente elas estão lá participando, estão fazendo coisas que não devem.

ConJur — É uma falta de especificação do processo, no Código do Processo Penal?
Ali Mazloum —
O nosso sistema processual não atribui de forma bem definida o papel de cada um. Além disso, existe hoje essa vontade justiçamento, de fazer acontecer e de aparecer mesmo.  Também há o sentimento de impunidade, que impera dentro da instituição, do Ministério Público Federal, quando age numa investigação assim de porte.

ConJur — Quem está atuando no MPF tem esse sentimento de que pode fazer de tudo e ficar impune?
Ali Mazloum —
Sim. Se você pegar essas grandes operações que citou, em todas elas houve abuso de poder, houve crime. Em alguma delas o procurador ou o juiz foram punidos? Não. Ninguém foi punido. Então, enquanto isso acontecer, vamos continuar tendo nulidades. Por que o Ministério Público Federal veio a público, num Estado Democrático de Direito, dizer que quer flexibilizar uma cláusula pétrea da Constituição Federal e ninguém fala nada? Dizer que quer relativizar a proibição do uso da prova ilícita como se isso fosse correto? É o heroísmo. É aquele sentimento de que o Brasil precisa de um salvador da pátria, e o mais conhecido salvador da pátria foi o Partido Nazista, que deu no que deu. Acho impressionante quando uma instituição que deveria velar pela integridade da Constituição vem a público se aproveitando de uma operação que recebeu o aplauso da população e da mídia de um modo geral, para defender uma cusparada na Constituição Federal, foi isso que eles fizeram.

ConJur — Em 2011, o senhor disse que o CNJ exagerava no seu lado punitivista. De lá para cá, algo mudou no conselho
Ali Mazloum —
Eu acho que o CNJ tem desempenhado um papel muito importante. Só que eles não podem atropelar as corregedorias locais, para não se tornar também mais um órgão arbitrário. Acho que, nos casos das operações, as corregedorias locais nada fizeram, os órgãos que anularam nada disseram. O CNJ tem desempenhado um papel importante como órgão de controle, mas falta nele o papel de órgão líder na área de gestão. Liderando a magistratura nessa gestão do processo da vara, em primeiro lugar. Em segundo, falta também se criar uma cultura na área de sustentabilidade, que não tem também. Não se vê nenhuma medida sendo tomada por nenhum órgão de cúpula nessa área. Podemos pensar hoje num prédio da Justiça Federal sustentável, com sistema de reutilização de água, com um sistema de aproveitamento de energia solar… O CNJ ainda tem pela frente um futuro muito promissor para capitanear esse tipo de cultura, ele tem que criar.

Para o Judiciário, de um modo geral, tem sido útil o papel do conselho em criar e focar em metas, porque o Judiciário é realmente ruim, é atrasado. Mas acho que ele não tem trabalhado para esse Judiciário do futuro, ele está trabalhando para esse Judiciário do passado.

Quando o conselho tomou esse caminho de estipular metas, a 7ª Vara já estava à frente de todas elas. O CNJ pode ser um órgão de mudança, mas não tem sido.

ConJur — E a sustentabilidade na atuação da Justiça, não no sustentável verde, mas como um sistema que se aguente, em um país com 100 milhões de processos e 200 milhões de habitantes?
Ali Mazloum —
Tem esse lado também, mas essa é uma questão de mudança processual. A coletivização das demandas é importante porque tem muita demanda repetida. O Processo Civil perdeu uma grande oportunidade, que era de coletivizar uma demanda individual e acabou afastando essa possibilidade do Novo Código de Processo Civil. De última hora, tiraram essa possibilidade, talvez isso possa ser introduzido mais para frente. Mas, eu acho que seja interessante fomentar um pouco a cultura da arbitragem, da conciliação, tudo isso acho que vai acabar diminuindo um pouco a demanda.

ConJur — Mazloum, em árabe, significa oprimido ou injustiçado. O senhor viveu uma história que lembra o significado do próprio nome, ao ser citado em um midiático processo criminal. Não foi para frente, tendo o seu nome, inclusive, sido excluído da denúncia pelo Supremo Tribunal Federal. Isso influenciou a sua relação com a Justiça?
Ali Mazloum —
Eu vi o outro lado do balcão. O processo-cidadão vem um pouco disso também. Desenvolvi um método que a Justiça não fosse tão invasiva e para que fosse menos impertinente na vida da pessoa. O processo não deve ser uma pena, ele não é a punição. A finalidade dele é outra, ele é o veículo para se fazer a justiça.

No processo-cidadão, o oficial de Justiça vai uma vez na casa do réu, não mais que isso. Ele já intima de tudo que vai acontecer, recebe uma cartilha de tudo que vai acontecer e o dia do julgamento. Eu uso o WhatsApp, porque eu sei que daqui a dez meses o sujeito pode esquecer. A testemunha, daqui a alguns meses esquece, então na véspera eu a relembro. No sistema tradicional, no entanto, o juiz intima que abriu um processo, daqui a pouco, intima porque despachou, depois intima de novo. Está toda a hora constrangendo o acusado de alguma forma, indo à casa dele. O processo foi feito para o inocente, se fosse feito para culpado não precisaria de processo.

ConJur — O senhor acredita que o direito de defesa está sendo rebaixado atualmente?
Ali Mazloum —
Temos o direito a ampla defesa, mas ele é formal. É utilizado como bem se quer, quando se quer, dependendo das forças envolvidas. O Judiciário não tem, nesse ponto, a coragem necessária de enfrentar esse tipo de situação.

ConJur — Vazamentos de pedaços de processos facilitam o papel de acusação pública?
Ali Mazloum —
Não tenha dúvida. Tive, na minha vara, um caso concreto de vazamentos seletivos que favoreciam a acusação. Eram vazamentos seletivos que incriminavam o acusado. Então eu tirei o sigilo do processo. Já que eu não consegui acabar com esses vazamentos, optei por levantar o sigilo.

ConJur — O senhor tem outros quatro irmãos que optaram pela carreira no Judiciário. Qual a raiz desse interesse?
Ali Mazloum —
Eu acho que foi o meu pai. Ele chegou em 1950 aqui no Brasil e sempre pautou a vida dele nesta palavra: justiça. Somos em oito irmãos, sete homens e uma mulher, e éramos muito pobres. Por isso, cada filho, quando tinha dez ou 12 anos, tinha de começar a trabalhar com ele na “lojinha”.

Meu pai sempre foi muito correto e justo, a ponto de receber o apelido de outros comerciantes de “senhor nota fiscal”, pois ele, ao contrário de muitos, emitia documento fiscal em cada venda que fazia. A palavra justiça era coisa do dia a dia. “Não erre, não faça, não pegue, não…” Sabe? A ponto de ele costumar falar que gravou essa palavra no osso da gente.

ConJur — O que está lendo atualmente?
Ali Mazloum —
Parei na metade o livro Tuareg, de Alberto Vásquez, que retrata um pouco a história de luta e injustiças de meus antepassados. Pretendo retomar assim que concluir o processo de implantação de todo o serviço de WhatsApp.

 

Fonte: ConJur