PETIÇÃO INICIAL DA ADI 5804

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…contra as Leis 13.491/17 e 9.299/96.
O relator é o Min Gilmar Mendes

EXCELENTÍSSIMA SENHORA MINISTRA PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

A ASSOCIAÇÃO DOS DELEGADOS DE POLÍCIA DO BRASIL – ADEPOL/BRASIL – sociedade civil, entidade de classe de âmbito nacional, com sede estatutária em Brasília (DF), SRTVS – Quadra 701, Bloco K , sala 801, Ed. Embassy Tower, CNPJ nº 00246718/0001-62, por seu Presidente, através de seu advogado, inscrito na OAB/RJ sob nº 03803, (Docs. nºs 01/02), vem, respeitosamente, perante essa Colenda Corte, com fulcro no art. 103, inciso IX da Constituição Federal, propor AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, com pedido de MEDIDA CAULELAR, LIMINAR dos dispositivos, adiante indicados (Infra nº 04), das Leis Federais nºs 13.491, de 13 de outubro de 2017 (Altera o Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro 1969-Código Penal Militar) e 9.299, de 07 de agosto de 1996. (Altera dispositivos dos Decretos-Leis nºs 1001 e 1002, de Código Penal Militar e do Processo Penal Militar).

2. LEGITIMIDADE ATIVA, PERTINÊNCIA TEMÁTICA E CABIMENTO DA AÇÃO:

2.1. A ADEPOL/BRASIL possui a qualidade para agir em sede jurisdicional concentrada (CF/88, art. 103, inciso IX). Congrega os Delegados de Polícia de Carreira do País. Atende ao requisito da espacialidade, isto é, além da atuação transregional da instituição, há a existência de associados ou membros em pelo menos nove Estados da Federação (art. 1º dos novos Estatutos – Doc. nº 03). A ADEPOL/BRASIL atua na defesa das prerrogativas, direitos e interesses dos Delegados de Polícia, pugnando pela preservação das Polícias Federal e Civis dos Estados e do Distrito Federal como instituições permanentes e independentes, destinadas ao exercício, com exclusividade, das funções de polícia judiciária, e a apuração de infrações penais, exceto as militares, caracterizando, na espécie, a pertinência entre o seu objetivo estatutário e o interesse na causa.

2.2. Como destacou, desde longa data, o eminente Ministro MOREIRA ALVES, relator da ADI nº 913-DF:

“já se firmou nesta Corte o entendimento de que as entidades de classe de âmbito nacional para legitimação para propor ação direta de inconstitucionalidade têm de preencher o requisito objetivo da relação de pertinência entre o interesse específico da classe, para cuja defesa essas entidades são constituídas, e o ato normativo que é argüido como inconstitucional (cf. ADIs 77, 138 e 159)”

2.3. Assim, o E. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL decidiu que, além da legitimidade ativa geral (art. 103) há de ser caracterizada a legitimação subjetiva específica, realçada como pertinência temática pelo eminente Ministro CELSO DE MELLO.

2.4. A jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL já reconheceu em reiterados pronunciamentos de mérito, que a ASSOCIAÇÃO DOS DELEGADOS DE POLÍCIA DO BRASIL – ADEPOL/BRASIL -, como órgão de atuação política, mantém a legitimidade exigida no inciso IX do art. 103 da Constituição Federal para a propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade e a sua atuação deve observar os ditames dos arts. 1º e 3º dos Estatutos, “in verbis” (Precedentes: ADIs 3.263-DF, 3.535-DF e 3.600-DF, j. em 02/05/2007), dentre outras.

“Art. 3º – São finalidades da ADEPOL/BRASIL:
I – Congregar os Delegados de Polícia de carreira, zelando pelo bom nome da classe, prestigiando e defendendo as prerrogativas, direitos e interesses dos associados…”
……………………………………………………………………..

V – debater e propor política de remuneração digna aos delegados de polícia de carreira do País, observando o princípio constitucional de isonomia de vencimentos com as carreiras jurídicas.

2.5. Em hipótese símile, na ADIMC nº 1.494-DF, rel. originário o em. Decano desta Corte Ministro CELSO DE MELLO (D.J. de 18/06/01), cujo mérito não foi julgado em decorrência de questões estatutárias da AUTORA, posteriormente regularizadas (item 2.4), enfatizou o em. RELATOR às fls. 106 dos autos, em relação à pertinência temática, bem como no seu judicioso voto(fls. 105/121), in verbis (Doc. nº 04):

“No caso, existe o nexo de pertinência temática, eis que o conteúdo da norma impugnada (investigação policial-militar de crimes dolosos contra a vida de civil, praticados por policiais militares ou membros das Forças Armadas, agora sujeitas à competência da Justiça comum) afeta, de modo direto, as atividades de polícia judiciária que incumbem, privativamente, aos Delegados de Polícia (fls. 718)”.

2.6. Considerando, portanto, o conteúdo, a abrangência e a eficácia dos dispositivos legais questionados das Leis Federais nºs 13.491/17 e 9.299/96, por sua natureza e objeto, a Autora, preenche, nesta ação, a indeclinável condição de pertinência temática, esperando, na espécie, pronunciamento de mérito, pois as normas impugnadas repercutem diretamente nas atividades de polícia judiciária a cargo dos Delegados de Polícia (art. 144, §s 1º, IV e 4º da C.F.), com funções de direção exclusiva, que a Constituição Federal atribuiu aos Delegados de Polícia de Carreira que a demandante, ADEPOL/BRASIL, congrega, nos termos dos seus Estatutos.

3. Assim sendo, demonstradas a legitimidade ativa, pertinência temática da autora e cabimento, confia ela em que o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL julgue procedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade, ao final formulado.

4. OS DISPOSITIVOS LEGAIS QUESTIONADOS EM DESTAQUE, NO PONTO, TÊM O SEGUINTE TEOR (Docs. nºs 05/06):

“ Lei Federal nº 13491, de 13 de outubro de 2017:

“Art. 1º – O art. 9º do Decreto-Lei nº 1001, de 21 de outubro de 1969 – Código Penal Militar, passa a vigorar com as seguintes alterações:
Art. 9º – Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:
I ……………………………………………………………….

II – os crimes previstos neste Código “E OS PREVISTOS NA LEGISLAÇÃO PENAL”, quando praticados:
§ 1º Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares contra civil, serão da competência do Tribunal do Júri.
§ 2º (…)
I – (…)
II – (…)
III – (…)

Lei Federal nº 9.299, de 07 de Agosto de 1996:

“Art. 82 – O foro militar é especial, e, exceto nos crimes dolosos contra a vida praticados contra civil, a ele estão sujeitos, em tempo de paz:
(…)
§ 1º (…)

§ 2º – Nos crimes dolosos contra a vida, praticados contra civil, a Justiça Militar encaminhará os autos do inquérito policial militar à justiça comum”.

5. A presente propositura, pela sua relevância, merece ser submetida a apreciação dessa Excelsa Casa, ressaltando-se, por oportuno, a incompatibilidade dos dispositivos impugnados, no ponto, com o disposto nos arts. 5º, LIII, LIV e parágrafos 1º, inciso IV e § 4º do art. 144, todos da Constituição Federal.

6. INCONSTITUCIONALIDADE DOS DISPOSITIVOS IMPUGNADOS:

6.1. Estabelecem, expressamente, esses preceitos constitucionais violados:
“Art. 5º – ………………………………………………………… ………………………………………………………………………
LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;
LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
Art. 144 – (…)

§ 1º – A polícia federal instituída por lei como órgão permanente, estruturado em carreira, destina-se a:
(…)

IV –

exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

§ 4º – Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração das infrações penais, exceto as militares.”

6.2. Preliminarmente como se verifica, desde logo, o art. 2º impugnado é ofensivo à Constituição Federal, pois a Lei Federal 9.299, de 07 de agosto de 1996, ao instituir no § 2º do art. 82 do Código de Processo Penal Militar, o procedimento de inquérito policial militar presidido por Oficiais das Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal, para a apuração dos crimes dolosos contra a vida, praticados contra civil, para posterior ação penal perante a Justiça comum, atenta flagrantemente contra o inciso IV do § 1º e § 4º, ambos do art. 144 da Carta da República. Da mesma forma, o inciso II do art. 9º da Lei Federal 13.491/2017, que acrescentou ainda a expressão “… e os previstos na legislação penal”.

6.3. Cumpre ter presente, dentro desse contexto, que a investigação policial nos crimes dolosos contra a vida, praticados contra civil, tem no inquérito policial (e não no I.P.M.) o instrumento de sua formalização, alçado pela sua importância ao patamar constitucional, cf. art. 129, VIII c/c art. 144, parágrafos 1º, inciso IV e 4º. Constituí, inequivocamente, procedimento administrativo de caráter essencialmente investigatório para esses crimes. Trata-se de peça informativa constitucionalmente adequada, cujos elementos instrutórios permitem, mediante a deflagração da competente ação penal pública o julgamento pelo Júri (art. 5º, XXXVIII da C.F.).
Saliente-se, por oportuno, que a novíssima Lei nº 13.491/17, introduziu, de forma inédita, no Código Penal Militar a expressão “… e os previstos na legislação penal” (comum e especial/extravagante), não constantes do CPM e, portanto, flagrantemente inconstitucionais, sobretudo, ao pretender que tais casos, sejam objeto de Inquérito Policial Militar, obviamente, com afronta, mais uma vez, ao art.144, parágrafos 1º, inciso IV e 4º da Constituição da Republica.

6.4. Neste ponto, é válido trazer à colação o magistério de José Afonso da Silva, em sua obra “Curso de Direito Constitucional Positivo”, Malheiros Editores, 1992, pág. 658, verbis:

“A palavra polícia correlaciona-se com a segurança. Vem do grego polis que significava o ordenamento político do Estado”. Aos poucos, lembra Hélio Tornaghi, polícia passa a significar a atividade administrativa tendente a assegurar a ordem, a paz interna, a harmonia e, mais tarde, o órgão do Estado que zela a segurança dos cidadãos”. Acrescenta que Polícia, sem qualificativo, designa hoje em dia o Órgão a que se atribui, exclusivamente, a função negativa, a função de evitar a alteração da ordem jurídica, cf. Processo Penal, Rio, Coelho Branco Editor, 1953, p. 255/6. A Polícia Judiciária tem por objetivo precisamente aquelas atividades de investigação, de apuração das infrações penais e de indicação de sua autoria …

A Polícia Federal destina-se a exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

A Polícia Civil, dirigida por delegado de carreira, em cada Estado, incumbe as funções de polícia judiciária, nos termos já definidos antes, e a apuração de infrações penais, exceto:

a) as de competência da polícia federal no âmbito restrito já assinalado;

b) as militares.

6.5. O eminente mestre J. Cretella Jr. (v. Comentários à Constituição de 1988, vol. VI/3417, 3421, Forense, 1992), discorrendo sobre os aspectos institucionais referentes à Polícia Federal e Civis, acentua a importância de sua concepção como órgãos exclusivos para o exercício de Polícia Judiciária, verbis:

“A polícia federal é o primeiro dos órgãos enumerados pela regra jurídica constitucional, cabendo-lhe zelar pela segurança pública, exercendo-se para a preservação(a) da ordem pública, (b) da incolumidade das pessoas e © do patrimônio. Regras jurídicas constitucionais precisas e claras que, aliás deveriam constar de regras jurídicas infraconstitucionais, assinalam os fundamentos e todas as conotações – verdadeiro regime jurídico legal – da polícia federal (art. 144, caput e inciso I, … ) destinando-se, (g) a exercer com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União (art. 144, parágrafo 1º, IV). Em quarto lugar, a regra jurídica constitucional coloca as polícias civis (art. 144, IV), dirigidas por delegados de carreira, incumbidos, ressalvada a competência da União, das funções de polícia judiciária e da apuração de infrações penais, exceto as militares. A polícia civil nos Estados e no Distrito Federal tem como atribuição básica o exercício da Polícia Judiciária …”.

6.6. Diante do mesmo diapasão, o em. Min. CELSO DE MELLO foi peremptório no seu r. voto dado na ADIMC nº 1494-DF, conforme fls 119/120 dos autos, cuja cópia no Doc. nº 04 demonstra, no ponto, in verbis:

“Tenho para mim – presentes todas essas considerações – que se revela extremamente plausível a pretensão jurídica ora deduzida pela autora nesta sede processual.

É que, não mais competindo, à Justiça Militar, o processo e julgamento de crimes dolosos contra a vida, praticados por policiais militares ou membros das Forças Armadas contra civil, nada pode justificar – especialmente ante as regras inscritas no art. 144, § 1º, IV e § 4º, da Carta Política – que tais infrações penais continuem sendo objeto de investigação, em I.P.M., pela autoridade policial militar, com evidente usurpação da atribuição investigatória constitucionalmente outorgada à Polícia Federal ou à Polícia Civil dos Estados-membros, conforme o caso”.

………………………………………………………………………

“Convém referir, neste ponto, que o próprio CPPM, ao dispor sobre as atribuições da polícia judiciária militar, delimita, claramente, o âmbito da sua competência investigatória, acentuando, nesse sentido, que “compete à polícia judiciária militar: a) apurar os crimes militares, bem como os que, por lei especial, estão sujeitos à jurisdição militar, e sua autoria…” (art. 8º,a).”

Ainda, na ADIMC nº 1.494, o Informativo STF nº 66, de 7 à 11 de abril de 1997, resumiu a questão da competência da Policia Civil Judiciaria, in casu, da seguinte forma, in verbis (Doc. nº 07):
“Crimes Dolosos Contra a Vida: Inquérito” .
Julgada medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela associação dos Delegados de Polícia do Brasil – ADEPOL contra a Lei 9.299/96 que ao dar nova redação ao art. 82 do Código de Processo Penal Militar determina que “nos crimes dolosos contra a vida, praticados contra civil, a Justiça Militar encaminhará os autos do inquérito policial militar à justiça comum.” Afastando a tese da autora de que a apuração dos deferidos crimes deveria ser feita em inquérito policial civil e não em inquérito policial militar, o Tribunal, por maioria, indeferiu a liminar por ausência de relevância na arguição de ofensa ao inciso IV, do § 1º e ao § 4º do art. 144, da CF, que atribuem às policias federal e civil o exercício das funções de policia judiciaria e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
CONSIDEROU-SE QUE O DISPOSITIVO IMPUGNADO NÃO IMPEDE A INSTAURAÇÃO PARALELA DE INQUÉRITO PELA POLICIA CIVIL. VENCIDOS OS MINISTROS CELSO DE MELLO, RELATOR, MAURICIO CORRÊA, ILMAR GALVÃO E SEPÚLVEDA PERTENCE. ADIN 1.494-DF, REL. ORIG. MIN. CELSO DE MELLO, REL. P/ AC. MIN. MARCO AURÉLIO. 9.4.97”.
No STJ a jurisprudência, a titulo exemplificativo, igualmente, é forte no mesmo sentido: “ Os crimes de homicídio imputados ao paciente foram todos praticados, em tese, contra vitimas civis, sem exceção, sendo pacifico o entendimento desta Corte no sentido de que os crimes previstos no art.9º, no Código Penal Militar, quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil, são da competência da Justiça comum e, em consequência, da Policia Civil a atribuição de investigar” (STJ- 5ª Turma-HC 47.168/PR/ rel. Min. GILSON DIPP-j. em 16/2/2006- DJ de 13/03/2006. ( Destaque nosso)
Conflito de Competência CC 131899SP 20013/0414268-0(STJ)
Ementa: CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA MILITAR E JUSTIÇA COMUM. CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA. MILITAR EM SERVIÇO VITIMA CIVIL. COMPETENCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. PRECEDENTES.
1- O art. 9º, § único, do Código Penal Militar, com redação dada pela Lei nº 9.299/96, determina que as condutas dolosas contra a vida praticadas por militares, em tempo de paz, são de competência da justiça comum.
2- A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, bem como deste Superior Tribunal de Justiça em que pesem posições doutrinarias divergentes, firmou-se pela constitucionalidade do disposto o paragrafo único do art. 9º do CPM, atribuído ao Tribunal do Júri a competência para processar e julgar os crimes dolosos contra a vida cometido por militares contra civis.
3- O § 2º do art. 82 do Código de Processo Penal Militar determina que, “nos crimes dolosos contra a vida praticado contra civil, a Justiça Militar encaminhará os autos do inquérito policial militar à justiça comum.
4- Conflito conhecido para declarar competente por Juízo de Direito da 1ª Vara do Tribunal do Júri de São Paulo/SP, ora suscitante, e determinar o desarquivamento do INQUÉRITO POLICIAL e a remessa dos autos ao Juízo declarado competente”.
6.7. É preciso remarcar que o princípio da exclusividade das funções de polícia judiciária, a cargo das autoridades policiais (delegados de polícia federais e estaduais) só admite a exceção na parte final do parágrafo 4º do art. 144 da C.F., isto é, as infrações penais militares (que não é a hipótese em razão da competência da instituição do Júri para o processo e julgamento dos crimes dolosos contra a vida), bem como agora, no tocante ao novo ato normativo introduzido pela Lei Federal nº 13.491/17, isto é, “e os previstos da legislação penal”.

6.8. Com efeito, na ADI nº 1.115-DF, desde o final do século passado, versando sobre o inquérito policial a cargo da polícia judiciária brasileira, o eminente Relator MIN. NÉRI DA SILVEIRA ressaltou (Acórdão in D.J. 17/11/95):

“A Constituição, de outro lado, prevê a exclusividade do inquérito policial presidido por delegado de polícia de carreira (C.F., art. 144, § 4º)”.

6.9. Por sua vez, o eminente MIN. CARLOS VELLOSO, na mesma ação concentrada asseverou:

“Sr. Presidente, há relevância jurídica, sem dúvida nenhuma, tendo em vista o que está escrito nos parágrafos 1º e 4º do art. 144 da Constituição, ao estabelecer que às policias civis, como à polícia federal, compete às funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. A lei que retira dessas policias essas atribuições, parece-me, pelo menos ao primeiro exame, contrariar a Constituição”.

6.10. Ainda na mesma ADI nº 1.115-DF, o em. MIN. PAULO BROSSARD, ao votar, enfatizou, cuja a matéria vem ocorrendo nos dias atuais:

“Pergunto aos eminentes Ministros: Se o Vice-Presidente da República praticar um delito. Quem faz o inquérito e onde ele é feito?

Um Deputado, um Senador comete um crime, quem realiza o inquérito? Obedecidas as devidas formalidades, licença da Câmara, mas quem realiza o inquérito policial?

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE: Temos exemplos históricos absolutamente civilizados: prisão em flagrante, lavratura em flagrante pela Mesa do Senado e seqüência do inquérito na Polícia.

O Senhor MINISTRO PAULO BROSSARD: E mais. O fato que V.Exa. menciona ocorreu no recinto do Congresso, no Plenário do Senado, em sua sala nobre. A prisão em flagrante foi decretada pela autoridade competente, a mesa do Senado, mas o inquérito foi realizado por quem e onde? Pela polícia o Ministro de Estado que cometa algum crime, quem realiza o inquérito policial? Onde é realizado?

Relativamente os integrantes dos Poderes da República, é a polícia que faz o inquérito…”

6.11. Por outro lado, na ADI nº 1.570-DF, o saudoso Min. MAURÍCIO CORRÊA relator enfatizou, como se vê no Acórdão abaixo ementado, no ponto (D.J. 22.10.2004):
“ 3. Função de investigador e inquisidor. Atribuições …………… A realização do inquérito é função que a Constituição reserva à polícia. Precedentes.”

6.12. Não se pode deixar de assinalar, outrossim, em 1996, o r. entendimento do nobre e determinado ex-Deputado Federal HÉLIO BICUDO, em artigo publicado na Folha de São Paulo, sobre o thema decidendum:

“O projeto incorre em inconstitucionalidade flagrante ao estabelecer que, nos crimes dolosos contra a vida, praticados contra civil, caberá à Justiça Militar a remessa dos autos do inquérito policial militar à Justiça comum.

Com isso, o inquérito permanecerá sobre a responsabilidade da autoridade policial militar, mesmo em se tratando de crime doloso contra a vida, que, pela alteração contida no próprio projeto, é de competência da Justiça comum. Assim, o dispositivo afronta o art. 144, parágrafo 4º da Constituição, que define a competência das policias civis para o exercício das funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, conduzindo o inquérito civil que dará suporte à ação penal perante a Justiça comum.

6.13. Impende relembrar, na mesma perspectiva de 1996, por fim, em relação aos crimes militares, em tempo de paz (art. 9º, II, “c” com a nova redação dada pelo art. 1º, da Lei Federal nº 9.299/96) que o projeto de lei nº 3.321 de 92, apensado ao Projeto de Lei nº 2.801 dispunha, na esteira da Súmula nº 297 do Supremo Tribunal Federal, que os “Oficiais e Praças das Policiais Militares dos Estados no exercício de funções de policiamento, não são considerados Militares para efeitos penais, sendo competente a Justiça Comum para processar e julgar os crimes cometidos por ou contra eles”. O substitutivo, portanto, que resultou na Lei 9.299, sobretudo, e data venia com má técnica, porém deixou cristalina a competência privativa da Justiça Militar Estadual, no que se refere aos crimes considerados tipicamente militares, como tal os previstos no Código Penal Militar nos arts. 149 a 176; 187 a 204 e 298. Em conseqüência, ficou alterado o art. 82 do CPPM para definir a competência dessa Justiça Militar Castrense, no tocante ao processo e julgamento de oficiais e praças das Polícias Militares nos crimes acima citados, tudo em consonância com o previsto no art. 124, § 4º (E.C. 45) c/c art. 5º, LIII, ambos da Constituição Federal. Ademais, não seria razoável, dentro do princípio do devido processo legal (C.F., art. 5º LIV), que a lei definidora da competência da Justiça Militar Estadual (C.F., art. 124, § 4º) ampliasse o seu âmbito de atuação, conferindo-lhe o processo e o julgamento de crimes comuns, praticados por policiais militares, em tempo de paz, no exercício de função de policiamento ostensivo de natureza civil. Releva registrar, que o foro militar é especial e a ele já estão sujeitos em tempo de paz os oficiais e praças das Polícias e Corpos de Bombeiros Militares, quando incorporados às Forças Armadas (CPPM, art. 82, I, d).

6.14. O em. Professor AURY LOPES JÚNIOR, Jurista e Titular de Direito Processual Penal da PUC/RS, em judicioso trabalho sob o titulo “Lei nº 13.491/2017 fez muito mais do que retirar os militares do Tribunal do Júri” (Revista Consultor Jurídico – CONJUR – 20/10/17). No ponto, destacou (Doc.08) in verbis:
Foi com bastante perplexidade que a comunidade jurídica recebeu a Lei 13.491/2017, recentemente sancionada e que amplia a competência da Justiça Militar Federal e, como veremos, também da Justiça Militar estadual.
(…)
“O policial militar estadual — em atividade — que cometa crime doloso contra a vida de civil segue sendo julgado no tribunal do júri. A nova lei atinge apenas os militares do Exército, Marinha e Aeronáutica que, nas chamadas “missões de garantia da lei e da ordem” (as conhecidas ocupações nas favelas cariocas e outras missões de “segurança pública”) cometam crimes dolosos contra a vida de civis. Nesse caso, eles serão julgados na Justiça Militar Federal, e não no tribunal do júri.
Mas a nova lei vai muito além: há outra modificação muito preocupante e que não está sendo repercutida, que é a nova redação do inciso II do artigo 9º do CPM. Antes, o artigo 9º, II do CPM assim dispunha:
II. os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados: (…).
Agora, a nova redação do inciso II é muito mais ampla:
II – os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, quando praticados: (…)
Significa dizer que a Justiça Militar (federal ou estadual) agora poderá julgar os crimes previstos no CPM e na legislação penal (comum e especial/extravagante). Dessa forma, há uma ampliação significativa da competência das Justiças militares estaduais e federal, que passarão a julgar crimes não previstos no CPM, tais como os anteriormente citados. Já existe, inclusive, quem sustente que os crimes previstos na Lei Maria da Penha, quando praticados por militar, também estariam submetidos à Justiça Militar. Isso, a nosso ver, é um exagero, na medida em que esbarra na absoluta falta de interesse militar, afetação de bens militares ou aderência à atividade militar.
Existiu, portanto, um gravíssimo retrocesso. Não só pela falta de estrutura e condições de investigar e julgar tantos crimes, mas também porque alcança crimes não afetos diretamente às atividades militares. Também cria o risco de efetivo corporativismo, especialmente em relação a crimes como abuso de autoridade e tortura, onde em geral existe uma percepção e valoração por parte dos militares que é completamente distinta da população civil acerca da gravidade e tipificação dessas condutas. Há o risco concreto de um entulhamento das Justiças militares para julgar crimes que não deveriam a ela ser afetos, inclusive com o agravante de que isso vai se operar de forma imediata. Não podemos esquecer que a lei processual penal no tempo é regida pelo princípio da imediatidade, de modo que muitos processos atualmente em andamento na Justiça comum poderão (ou melhor, deverão!) ser imediatamente enviados para a respectiva Justiça Militar.
Dessarte, também está superada a Súmula 172 do STJ, que dispunha que “compete à justiça comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que praticado em serviço”. Perdeu sentido.
Enfim, a nova lei vai muito além da questão da competência do júri. Representa uma significativa ampliação da competência das Justiças militares da União e dos estados, que agora terão de dar conta de uma imensa demanda para a qual não estão preparadas e tampouco foram criadas. Esse entulhamento exigirá um substancial investimento na estrutura das Justiças militares e também na própria investigação preliminar no âmbito militar, o que dificilmente ocorrerá a médio prazo. Como se trata de lei processual penal, com aplicação imediata — inclusive para os processos em curso, repita-se —, é evidente que esse deságue inesperado de processos irá gerar grande impacto na administração da Justiça Militar.
Como consequência, é previsível a (de) mora processual e o aumento da sensação de impunidade/corporativismo. Particularmente, pensamos que, no âmbito dos crimes contra a vida, o julgamento no tribunal do júri seria até mais favorável aos militares do que a Justiça castrense. Contudo, no que tange aos demais tipos penais — especialmente o abuso de autoridade, tortura, porte ilegal de armas e outros próprios do ofício —, talvez o tratamento não corresponda ao que se espera em termos de efetividade, por uma questão de percepção diferenciada da tipicidade e dos limites das causas de exclusão da ilicitude.
De qualquer forma, em linhas gerais, entendemos que essa ampliação da competência representa um retrocesso, além de desnecessária e completamente inadequada para o nível de evolução democrática que se atingiu (ou se imaginou ter atingido…).
6.15. O em. Professor e Mestre em Direito pela UFPR, LEONARDO MARCONDES MACHADO, sobre a vexata quaestio com o titulo “Investigação pela PM dos próprios homicídios dolosos revela autoritarismo” ( Revista Consultor Jurídico – CONJUR, em 29/08/17, discorreu na espécie, in verbis (Doc. nº 09):
Se não bastassem os dilemas estruturais e históricos na segurança pública brasileira, a crise é agravada neste momento por mais uma tentativa miliciana de usurpação das atribuições constitucionais investigativas da Polícia Civil quanto aos crimes de homicídio doloso praticados por militares contra civis. …
Frise-se, de antemão, que a competência criminal da Justiça Militar surge em razão da matéria, isto é, da natureza da infração, e não da pessoa. Portanto, para a sua determinação, conforme histórica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal[1], não basta que um crime seja praticado por militar; necessário que o delito seja caracterizado como de natureza militar (artigos 9º e 10 do Código Penal Militar – Decreto-lei 1.001/69). São coisas bastante diferentes.
Com efeito, desde a Lei 9.299/96, que alterou o artigo 9º do CPM[2], os crimes dolosos contra a vida cometidos por militares contra civis, sejam tentados, sejam consumados, perderam a natureza militar[3] e passaram a ser julgados pela Justiça comum, mais especificamente pelo tribunal do júri (artigo 5º, XXXVIII, da CRFB), (…)
Não bastasse, a Emenda Constitucional 45/04, ao disciplinar a Justiça Militar estadual (artigo 125, parágrafo 4º, da CRFB[10]), excluiu, de modo expresso, tal espécie delitiva de sua competência.
(…)
Por consequência, negado o caráter militarizado da infração e a respectiva competência castrense, firmando-se na espécie a alçada jurisdicional comum, estadual ou federal, do tribunal do júri, para o devido processo e regular julgamento, tem-se, por óbvio, que a atribuição para investigação desse caso é da Polícia Civil estadual (artigo 144, parágrafo 4º, da CRFB)[13]ou da Polícia Federal (artigo 144, parágrafo 1º, da CRFB), a depender do servidor envolvido, mas nunca da Polícia Militar.
Com efeito, diante da notícia de um homicídio doloso supostamente praticado por um militar contra um civil, incumbe ao delegado de polícia, e não aos milicianos, a presidência da investigação mediante inquérito policial[14]. O que inclui, por óbvio, todos os poderes instrutórios decorrentes dos artigos 6º e 7º do CPP, como a apreensão de objetos que tiverem relação com o fato depois de liberados pelos peritos criminais.
Ocorre, no entanto, que a Polícia Militar, em muitos estados da federação, há algum tempo, vem subvertendo o devido processo legal e fazendo apurações criminais autônomas, independentes da Polícia Civil, sob a escusa de pretensa necessidade quanto à verificação interna corporis das infrações praticadas por milicianos. Não raras vezes essa tem sido a alegação utilizada pela corporação castrense para, por exemplo, dificultar a apreensão de arma de fogo utilizada por policiais militares em fatos sob investigação da Polícia Civil.
Nesse viés, há poucos dias, mais precisamente no dia 21 de agosto, foi oficializado mais um ataque militarizado à ordem normativo-constitucional e ao próprio Estado de Direito. Nessa data, foi publicada a Resolução 54/2017 da Presidência do Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo, a qual basicamente determina que, diante de um crime doloso contra a vida praticado por militar contra civil, a própria corporação deverá apreender todos os instrumentos e objetos envolvidos, sem qualquer participação da Polícia Civil, e, ao final da apuração delitiva interna (IPM), remeter todo o material à Justiça castrense.
A finalidade desse tipo de expediente não é outra senão estimular a burla de todas as regras legais e constitucionais de investigação em vigor, alijando a Polícia Civil da regular (e isenta) apuração dos crimes dolosos contra a vida cometidos por militares estaduais contra civis; o que, inclusive, foi reconhecido pelo próprio Tribunal de Justiça de São Paulo, nesta segunda-feira (28/8), ao conceder medida liminar para suspender a eficácia dessa absurda resolução (MS Processo 2164541-26.2017.8.26.0000)
No fundo, para além de mais uma inconstitucionalidade flagrante e de um perigoso incentivo à fraude processual[15], o que se tem é a manifestação clara da vontade de poder, típica de uma ideologia militarizada e autoritária, incompatível, por óbvio, com o Estado Democrático de Direito.

7. O PEDIDO:

7.1. Destarte, tendo em vista as razões invocadas na presente representação, como fundamento da “actio” e pelo mais que ocorrerão aos preclaros Ministros, requer a Autora a V.Exa., respeitosamente, seja recebida e processada esta AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, com os documentos que a instruem, observando-se o disposto nos parágrafos 1º e 3º do art. 103 da Constituição da República.

7.2. Exsurge, nitidamente, a uma incompatibilidade vertical entre os dispositivos das Leis Federais nºs 13.491, de 13 de outubro de 2017 e 9.299, de 07 de agosto de 1996, ora impugnados, transcritos no item 4 desta propositura,  em que a Autora pede declaração de inconstitucionalidade , e os arts. 5º, LIII, LIV e parágrafos 1º, inciso IV e parágrafo 4º do art. 144, todos da Constituição Federal.

7.3. A duas, sucessivamente, pede a ADEPOL/BRASIL, se a EXCELSA CORTE julgar melhor declarar a inconstitucionalidade da totalidade da legislação federal guerreada, tendo em vista ser “impossível à apreciação da ação direta, uma vez que a declaração de inconstitucionalidade restrita a artigos que compõem sistema normativo acarretaria a permanência, no texto legal, de dicção indefinida e assistemática. (Entendimento assentado na jurisprudência do STF”. ADI nº 2.133-8-RJ, rel o em. Min. ILMAR GALVÃO, in DJU 04/05/01), reitera a AUTORA, por via do pedido subsidiário, que todos os dispositivos correlatos constantes da legislação impugnada referida, sejam declarados inconstitucionais por essa SUPREMA CORTE, tendo em conta, ressalte-se, os fundamentos jurídicos adotados em relação a cada uma das impugnações, com as suas especificações (Incisos I e II, do art. 3º, da Lei nº 9.868, de 10.11.99).
7.4. Subsidiariamente, a três, pede, ainda, a AUTORA, se a EXCELSA CORTE julgar melhor declarar a inconstitucionalidade dos preceitos impugnados, sem redução da expressão literal do texto, roga-se por via do método de interpretação conforme a Constituição, de maneira a atribuir-se aos referidos dispositivos da legislação atacada referida, a única interpretação que é aquela que considere, em harmonia com a lição de Canotilho, “a interpretação conforme a constituição só é legítima quando existe um espaço de decisão (igual espaço de interpretação) aberto a várias propostas interpretativas, umas em conformidade com a constituição e que devem ser preferidas, e outras em desconformidade com ela”. Sendo assim, a interpretação adequada, com fiel observância dos direitos e garantias fundamentais do cidadão é a seguinte:
“DA INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTS. 9º, II, EM RELAÇÃO À EXPRESSÃO “E OS PREVISTOS NA LEGISLAÇÃO PENAL” DA LEI 13.491/17 BEM COMO O ART 82, § 2º DA LEI 9.299/96, SEM REDUÇÃO DA EXPRESSÃO LITERAL DO TEXTO, MEDIANTE INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO, A FIM DE SE LHE EXCLUIR A INTERPRETAÇÃO QUE PERMITE QUE OS OFICIAIS DAS POLÍCIAS MILITARES DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL, NO EXERCÍCIO DE FUNÇÃO DE PRESIDENTE DE PROCEDIMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL MILITAR PARA A APURAÇÃO DOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA E OS PREVISTOS NA LEGISLAÇÃO PENAL PRATICADOS CONTRA CIVIS, SENDO COMPETENTES AS POLÍCIAS FEDERAL E CIVIS DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL PARA A INSTAURAÇÃO DO PROCEDIMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL E, DESTARTE, A JUSTIÇA COMUM PARA PROCESSAR E JULGAR OS CRIMES COMETIDOS POR ELES”.

8. MEDIDA CAUTELAR LIMINAR:
8.1. Os dispositivos impugnados das Leis Federais nºs 13.491, de 13 de outubro de 2017 e 9.299, de 07 de agosto de 1996, estão em vigor. Impõe-se, por isso, sustar a eficácia dos dispositivos questionados, com urgência para garantia da ulterior decisão da causa, a fim de evitar a incidência de preceitos que contrariam flagrantemente a Constituição da República.
8.2. Para o efeito de concessão de medida cautelar liminar urgente, os fundamentos jurídicos da ação evidenciam a relevância da matéria e a pertinência da defesa liminar da Constituição e de cuja aplicação resulta em lesões à própria ordem jurídica, preservando-se, sobretudo, a garantia aos cidadãos atingidos pela norma inconstitucional, o pleno exercício de seus direitos e garantias fundamentais previstos na Carta Magna.

8.3. Os fundamentos desta Ação Direta de Inconstitucionalidade, apresentados com observância dos critérios de aferição da tutela cautelar, demonstram ex-abundantia o fumus boni juris, enquanto o periculum in mora resulta, conseqüentemente, da própria vigência da legislação impugnada, que deve ser suspensa, até o juízo definitivo do E. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Presença, sobretudo, da conveniência da concessão da medida cautelar liminar pelos tumultos e o caos que as normas impugnadas já estão causando no país, diante da crescente incidência de crimes praticados contra civis no exercício de funções de policiamento, especialmente como destacou historicamente em. Min. CELSO DE MELLO pelos militares estaduais após “a reforma introduzida pela Emenda Constitucional nº 07/77 (pacote de Abril), que, ao modificar a redação do art. 144, § 1º, d, da Carta Federal de 1969 – e atendendo aos desígnios dos curadores do regime militar imposto pelo golpe de Estado praticado contra as instituições democráticas em 1964 – submeteu os policiais militares, pelos delitos militares que viessem a praticar – ainda que no exercício de função de policiamento ostensivo – à competência penal da Justiça Militar dos Estados-membros (RTJ 87/460 – RTJ 89/92, v.g.), cf. Doc. nº 04, pág. 13.” Fatos recentes demonstram que a violência arbitrária das Polícias Militares no exercício das funções civis de policiamento ostensivo continuam em plena expansão como se verifica, no cotidiano”. Vale enfatizar, sobretudo, o que disse o em. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, quando presidiu o Supremo Tribunal Federal (Doc. nº 10):

“Justiça militar só para áreas especificas”

“ O presidente do Supremo Tribunal Federal, Sepúlveda Pertence, defendeu ontem sua posição filosófica” de que a Justiça militar deveria ficar restrita aos chamados crimes propriamente militares, como deserção, insubmissão e “outras coisas típicas da hierarquia militar, e não infrações praticadas por militares contra civis, ou seja, crimes praticados por militares, na rua, contra civis”. Com tal declaração, o Ministro Pertence sinalizou o seu voto na ação de inconstitucionalidade proposta pela a Adepol ( Associação dos Delegados de Policia do Brasil)… “

8.4. O periculum in mora resulta no provável confronto entre as Policias Civis e Militares que poderá provocar mas um caos na Segurança Publica e, em consequência, na sociedade, tendo em conta que de forma inusitada, o Ato Normativo aprovado pelo Conselho Nacional dos Comandantes Gerais das Policias Militares e os ….. – CNCG-PM/CBM-( Portaria nº 01, de 30 de agosto de 2017 e a Nota Técnica da Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais – FENEME expediram as extravagantes e inéditas Recomendações, no ponto ( Docs, nºs 11/12):

CNCG – PM/CBM

• A competência da jurisdição militar inclui a apuração de crime doloso contra a vida de civil.

• O procedimento investigatório legal para a apuração de crime militar contra a vida de civil é o competente inquérito policial militar.

• Em situação de militar no exercício da função ou em razão dela, não deve ocorrer o encaminhamento à a policia judiciaria civil, nos casos a que se refere o art. 2º desta Portaria, e o seu descumprimento deve gerar responsabilização.

• Não deve ser permitido a realização de flagrante ou outras diligencias da policia civil em unidade militar ou sujeita à administração militar, e caso ocorra deve o policial civil e quem autorizou ser responsabilizado.

• Os Comandantes Gerais expedirão instrução normativa interna aos seus Comandos Regionalizados e às suas corregedorias, versando sobre o tema desta Portaria para o fiel cumprimento da jurisdição militar.

FENEME

Assim, sugerimos aos presidentes de entidades, em parceria com o comando da instituição, a adoção imediata das seguintes medidas:

• militar em serviço ou em razão da função que praticar qualquer crime previsto na lei penal militar e na legislação penal comum, em área fora da jurisdição militar, não deve ser apresentado a nenhuma outra instituição policia, uma vez que a atribuição para apurar é exclusiva da autoridade de policia judiciaria militar, e a policia civil é incompetente, por força do art. 144, § 4º da Constituição, PODENDO O DELEGADO DE POLICIA SER RESPONSABILIZADO POR USURPAÇÃO DE FUNÇÃO PUBLICA OU ABUSO DE AUTORIDADE

• militar que praticar qualquer crime previsto na lei penal militar e na legislação penal comum, em área sob jurisdição militar, não deve ser apresentado a nenhuma outra instituição policial, uma vez que a atribuição para a apurar é exclusiva da autoridade de policia judiciaria militar, e a policia civil é incompetente, por força do art. 144, § 4º da Constituição PODENDO O DELEGADO DE POLICIA SER RESPONSABILIZADO POR USURPAÇÃO DE FUNÇÃO PUBLICA OU ABUSO DE AUTORIDADE;

• requerer ao juiz da jurisdição militar que requisite os inquéritos policiais civis que estejam em andamento e que envolvam militar em área de jurisdição militar ou fora da jurisdição militar que atuou em serviço ou em razão da função militar;

• requerer ao juiz da jurisdição militar que solicite o desaforamento da justiça comum dos processos que envolvam militar em área de jurisdição militar ou fora da jurisdição militar que atuou em serviço ou em razão da função militar; uma vez que a nova lei fez alteração de competência, portanto lei processual, que tem aplicação imediata, mesmo os processos já instaurados, como ocorreu nos crimes dolosos contra a vida praticados por militares, que nos termos da lei 9299 de 1996 foram desaforados da justiça militar para o tribunal do júri.
OBSERVAÇÃO NOSSA: os inquéritos policiais, “in casu” são instaurados pelos delegados de policia como vem ocorrendo, no cotidiano, em todo o País. A jurisprudência é pacifica a saber:
STJ — HC 47.168/PR, 5ª Turma, rel. em. Min. Gilson Dipp, DJ de 13/03/06
STJ – CC 2013/0414268-0 – SP;

STF – ADIMC 1494-DF, rel. originário o em. Min. Celso de Mello, rel. para o Acórdão o em. Min. Marco Aurélio, Informativo STF nº 66, de 7 a 11 de abril 1997 (Doc. nº 07 dos autos).

8.5. Isto posto, ratificando o inequívoco “ periculum in mora” e, sobretudo, “ last but not the least”, o previsível conflito de atribuições entre os Delegados da Policia Civil e os Oficiais da Policia Militar já ocorreu num caso concreto, de repercussão internacional, na cidade do Rio de Janeiro, ontem, dia 23 de outubro de 2017. Para ilustrar, juntamos, em anexo, matérias divulgadas pela grande mídia do país, com os seguintes títulos: (Doc. nº 13):

• Tiros na Rocinha e na imagem do Rio (Corregedor da PM entrega cargo após investigação ser transferida. Corporação e Policia Civil travaram quebra de braço para ficar com o caso). Jornal O Globo, 24/10/17.
• Repercussão em jornais estrangeiros (O Dia, 24/10/17)
• Turista morre baleada por PM na Rocinha (Folha de São Paulo, 24/10/17).

8.6. A AUTORA tem a honra de requerer, portanto, à eminente Presidente, nos termos dos art. 102, inciso I, alíneas “a” e “p”, da Constituição Federal, art. 10, da Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999 e 21, inciso IV, do Regimento Interno do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, que aprecie o pedido que agora formula, de concessão de MEDIDA CAUTELAR LIMINAR, visando a suspensão da eficácia das normas cuja constitucionalidade é questionada.
9. Finalmente, observado o procedimento cabível, julgar essa COLENDA CORTE, procedente esta ação, para declarar, em definitivo, a inconstitucionalidade da legislação impugnada.

Nestes Termos
Pede Deferimento
Do Rio de Janeiro para Brasília, DF, 24 de outubro 2017.

WLADIMIR SERGIO REALE
OAB/RJ 3.803