Perdemos todos

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Acompanhar as estatísticas policiais é comum no exercício cotidiano do jornalismo que exerço. Logo cedo quando o aplicativo do meu celular denuncia os homicídios recentes mencionados na planilha encaminhada pela Polícia Civil de Goiás, meu olhar procura logo a idade das vítimas apenas para constatar o que já se tornou rotina. A grande maioria das vítimas não completou 30 anos de idade. Após décadas de profissão deveria ser mais fácil entender e aceitar essa dinâmica sangrenta. Deveria.

Assistir uma geração inteira sendo dizimada pela violência banalizada não é algo fácil de digerir. Além do esfacelamento de núcleos familiares, está desaparecendo um imenso contingente de jovens que ocuparia os lugares deixados por gerações anteriores no mercado de trabalho e daria a sua parcela de contribuição para a construção do País.

A minha formação humana me ensinou a analisar por muitos ângulos os meus entrevistados e a realidade que os cerca. É por isso que voltar para a redação do jornal e transformar em texto as histórias de sofrimento oriundas de casos de violência não exige de mim apenas uma ação mecânica como muitos poderiam supor.

Os poucos anos vividos de vítimas e autores sempre me levam a percorrer um longo caminho de questionamentos. Com frequência me coloco no papel das famílias dilaceradas pela dor e pelo vácuo da impotência diante de ocorrências muitas vezes inexplicáveis.

O estrago é contínuo. A ausência de respostas ou o arremedo delas também. Atribuir aos protagonistas a opção pelos fatos violentos que elevam as estatísticas policiais seria traduzir de forma simplória o cenário que nos cerca e que faz de cada um de nós refém em potencial. A realidade que está aí, do lado de fora de nossos ambientes familiar, de trabalho ou de lazer não é resultado apenas de uma decisão pessoal de brasileiros que enveredaram pela via do tráfico, do uso de drogas ou de ganhos fáceis. No Brasil sobra corrupção e falta investimento em educação e na formação do cidadão. A ineficácia das políticas públicas brasileiras gerou um ambiente de instabilidade social e de perdas incalculáveis.

A morte do policial militar Pedro Henrique Rodrigues Teodoro, do Grupo de Intervenção Rápida e Ostensiva (Giro) é um exemplo disso. Antes de chegar aos 30 anos o servidor público teve a vida ceifada em consequência de um embate provocado por uma banalidade. Pedro era considerado um exemplo em sua atividade. Perdem sua família, a corporação e o País.

Em momentos anteriores, quando a planilha da Polícia Civil apontou o desaparecimento de outros Pedros tão jovens e tão produtivos quanto o policial militar, vítimas de atos também banais, da mesma maneira exercitei o emblemático questionamento de nossa era: até quando?

*Malu Longo é repórter no Jornal O Popular

 

Fonte: Sindepol/GO