OS CAMINHOS DA INTEGRIDADE

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Por Francisco Enaldo (Delegado de Polícia do ES e diretor da ADEPOL)

É possível atestar que a nossa sociedade continua indulgente e com visão minimalista para a corrupção. Alguns fatores poderiam justificar: origem geralmente proveniente daqueles gozadores de uma “respeitabilidade social” (predominantemente elitista); dificuldade na identificação imediata das suas consequências deletérias; inexistência de provocação sensível de desassossego social – característico dos atos com violência real; percentual considerável de pessoas favorecidas, direta ou indiretamente, com tais práticas. Noutro giro, se cotejado ao passado próximo, inegável o avanço no tratamento da matéria. Entretanto, ainda se espera significativa mudança cultural. Nessa toada, as inovações legislativas, inobstante a extrema importância, pouco contribuirá se não vierem, concomitantemente, acompanhadas de uma nova postura tanto do setor privado como público.


Nota-se que, como ocorre em outras áreas do direito, o exagero normativo acaba assumindo uma função mais simbólica, denotando, aliás, um oportunismo legislativo, contribuindo sobremaneira para uma hipertrofia do sistema. Então, cada vez mais, se mostra imperiosa a concentração no plano ético. Urge superar a conduta baseada no fisiologismo, clientelismo e patrimonialismo. As relações com o Poder Público devem se expor a mais translúcida lente de controle. Para tanto, se requer uma despolitização e um intenso comprometimento da cúpula da administração, porque reverberará na base de sua estrutura piramidal. Objetiva-se, em suma, um agir efetivamente moralizante.


Interessante, neste aspecto, uma incursão na história – fonte constante e inesgotável de ensinamento – a fim de avaliar o contexto de surgimento dos recursos e o alcance do formato da integridade.


Alguns pesquisadores definem o início do século XX como nascedouro dos programas de conformidade, notadamente na década de 30 cujo intento primitivo consistia em construir uma estrutura de confiabilidade e segurança no sistema financeiro, motivando uma cooperação internacional.

No curso dos anos, os auspiciosos resultados fizeram com que o modelo se expandisse até as grandes corporações. Nesse ínterim, há marcante passagem pela década de 1970, sobretudo por conta de escândalos em empresas multinacionais norte-americanas, com repercussão global. Aqui, merece registro a edição da Lei anticorrupção dos Estados Unidos, o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), que propôs atuar preponderantemente em duas vertentes: exigir requisitos de transparência contábil e determinar penalidades ao suborno de funcionários.

Neste ensejo, a Comissão de Valores Mobiliários – agência federal responsável pelo mercado de capitais – optou por anistiar sociedades confessas de cooptação ilídima de servidores públicos, contanto que, dentre outras medidas, adotassem o Compliance.


A partir de então, países membros da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) também se sentiram pressionados a promover este novo padrão.


Já no Brasil, embora tardiamente, as primeiras expressões remetem à década de 90, restritas ao campo financeiro, especificamente com a Resolução nº 2.554/98 na qual o Banco Central exigiu a adoção de um conjunto de mecanismos rígidos de fiscalização e gerenciamento de riscos.


Assim, pode-se asseverar que as tentativas de implementação de hábitos de adequação às regras antecedem a Lei nº 13.846/13. A este instrumento se atribui, por sua vez, a inovação nas técnicas de detecção, ampliação do rol dos susceptíveis à incidência e consagração de critérios diferenciados de atenuação de penalidades, porventura aplicadas.


Na linha evolutiva, transpassando o limite do privado, encontramos a Instrução Normativa Conjunta n° 01/16 da Controladoria Geral da União com o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão que procurou incutir uma política de governança na esfera pública federal. De mesma sorte, a Portaria n° 784/16 instituiu o Programa de Fomento da Integridade Pública. Tempo depois, a Lei nº 13.303/16 se encarregou do moderno Regime Jurídico das Estatais. Nesse cenário, a Petrobras sobressaiu no uso do Compliance.

Arremato sustentando que toda essa construção não elimina o quadro de periclitação, conquanto tenha potencial para elevar a perspectiva e resguardar os valores das pessoas. Como dito alhures, é essencial uma alteração, a princípio interior, que reflita no comportamento de cada um e restaure a imagem de decência.