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Modernização do judiciário não alcançou as relações previdenciárias

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Por Theodoro Vicente Agostinho e Sérgio Henrique Salvador

As relações previdenciárias, oriundas do aperfeiçoamento jurídico de concretudes constitucionais no campo fenomênico, apresentam-se como relacionamentos protetivos direcionados, abrangentes de uma expressiva parcela populacional, que nada mais são, senão os próprios destinatários finais de todo o abrigo constitucional.

O Direito Previdenciário, enquanto ramificação da ciência jurídica, amolda-se nesta seara, especificamente no concatenado estudo técnico e axiológico de suas premissas, advindas de um arcabouço constitucional alocado de forma sistemática.

Importante também destacar que a Previdência Social, enquanto direito constitucional e, portanto, fundamental, se viu inserido na Lei Fundamental como parte integrante de uma engenharia sistêmica, intitulada Sistema de Seguridade Social, consolidado em seu artigo 194, caput, do Código Excelso, cujo instituto constitucional visou a dar estruturação para a eficácia plena dos regulados direitos fundamentais.

Neste sentido, valiosa a lição descrita pelo Jurista Wagner Balera, Mestre e Doutor pela PUC/SP: “Arrumadas em sistema, as três partes que compões o arcabouço – saúde, previdência social e assistência social – devem proporcionar, a todos, seguridade social. A integração das áreas que, dentro e fora do aparelho governamental, recebem a incumbência de satisfazer certos direitos sociais implica na racionalização da atividade administrativa, permitindo, destarte, melhor aproveitamento das particulares formas de proteção pelos usuários”.[1]

Assim, as relações previdenciárias ganham notável destaque dentro da Ordem Jurídica, pois, sua essência traz um pacote eminentemente imprescindível para a concretização de valores republicanos.

Aqui a importante junção com a ferramenta processual. É que a instrumentalidade do processo ganha notável importância ao possibilitar ao jurisdicionado o acesso a um postulado supremo, elencado pelo Constituinte Originário como fundamental, encontrando na sua esperada eficiência um norte importante de convalidação de sua essência.

Por isto, a análise do sistema processual dentro da ótica previdenciária almeja adequar, com esperada eficiência, a consecução de valores sociais. Neste ideário, oportuna a lição do Professor Cássio Scarpinella Bueno, da PUC/SP: “O processo civil representa verdadeiro microcosmos do Estado Democrático de Direito”.[2]

Com efeito, necessita a ordem jurídica, bem como, a própria ciência jurídica de mecanismos específicos, para promover a edificação de todo um sistema político de organização social.

Visando o aperfeiçoamento deste notável e importante intento, existiu no Congresso Nacional uma proposta legislativa[3] de alteração substancial do atual Código de Processo Civil, datado de 1973, o conhecido “Código Buzaid”, cuja proposta em março último, restou definitivamente aprovada e sancionada pela Presidente da República.

Uma renomada comissão de Juristas elaborou um texto de lei, que, tendo sofrido adaptações, encontrava-se desde o fim do ano de 2010, de posse do Poder Constituinte Derivado, para pronunciamento a respeito, cuja discussão contou com a realização de várias audiências públicas, até que, em 16 de março de 2015, restou definitivamente aprovado.

A título ilustrativo, segue a linha de pensamento externada por essa preclara comissão neste especial mister que recentemente chegou ao fim: “Em suma, para a elaboração do Novo CPC, identificaram-se os avanços incorporados ao sistema processual preexistente, que deveriam ser conservados. Estes foram organizados e se deram alguns passos à frente, para deixar expressa a adequação das novas regras à Constituição Federal da República, com um sistema mais coeso, mais ágil e capaz de gerar um processo civil mais célere e mais justo”. [4]

Assim, existiu abalizada discussão acerca do sistema processual hodierno, visando suas adequações frente a todo o avanço social, sobretudo para que as premissas da chamada Reforma do Judiciário, oriunda com a Emenda Constitucional 45/2004, como a duração razoável do processo tenha observância.

Aferida a importância da instrumentalidade processual, como ferramenta de convalidação da essência previdenciária, oportuna se torna a análise da proposta da reforma que restou aprovada à luz do Direito Previdenciário.

Em linhas gerais, a renomada comissão de Juristas, inseriu no comando processual destacadas inovações, bem como, adequação de outras técnicas, visando, aprioristicamente, a eficiência e a tão comentada celeridade processual.

Destaca-se, no texto aprovado, as seguintes proposições, dentre outras, que visam acoimar o processo civil brasileiro de simplicidade, segurança e efetividade, como por exemplo: a unificação dos procedimentos, que se tornam uno, com a extinção do procedimento sumário; a obrigatoriedade da sessão de conciliação, como ato processual preliminar; a previsibilidade da audiência gravada; por teleconferência; citação eletrônica; fim dos incidentes processuais; extinção da reconvenção; relativização da coisa julgada; unificação dos prazos recursais; extinção dos embargos infringentes; fim dos procedimentos cautelares, como livro autônomo, etc.

Infelizmente, sob a ótica das relações previdenciárias, não andou com acerto o referido projeto de alteração. É que, de maneira singela, as grandes inovações do Projeto, dentro de uma visão macro do processo civil, não atingiram as relações processuais previdenciárias com relevo. Ora, o texto aprovado não modificou as prerrogativas legais da Fazenda Pública, as Autarquias e Fundações, permanecendo as várias e injustificáveis regalias processuais.

Na exaustiva caminhada processual do trato previdenciário, o sistema processual que virá e tentará dar vida a postulados constitucionais, com preocupação minorada, não previu os impactos das mudanças dentro do Direito Previdenciário.

Por certo, que a previsibilidade do prazo em quádruplo para contestar; dobrado para recorrer; intimação pessoal, dentre outras regalias processuais, continuarão a engessar não o Judiciário, mas, em caráter totalmente prejudicial, a lide previdenciária continuará tormentosa, lenta e desigual.

Ora, nesta caminhada, o novo Processo Civil elencou as relações privadas, como preponderantes para percebimento de uma tutela jurisdicional mais ágil e coesa, não tendo a Comissão de Juristas aferido o abrigo processual jurisdicional por conta das sociais relações previdenciárias.

Importante também a ótica do equilíbrio processual que deve conduzir o julgador no exercício de suas atribuições. Neste ponto, a engenharia autárquica, a falta de senso conciliador, o abismo legislativo e normativo interno, além do ímpeto fiscalizador, colocam os gestores previdenciários em primazia da causa, abortando o jurisdicionado de um acesso a uma ordem jurídica justa.

Por este aspecto, agiu na contramão o projeto, que não conferiu o destaque necessário para o trato previdenciário, não arregimentou em pé de igualdade com a Fazenda Pública o cidadão comum, destinatário-mor de um plano de proteção, que tem na própria Administração Pública, um devedor desta corolária obrigação constitucional.

Oportuna e valiosa, a anotação que faz o Desembargador Mineiro Ernane Fidélis dos Santos a respeito: “Procura-se, por outro lado, imprimir efeito de máxima celeridade ao processo. Na prática dos atos processuais, deve se afastar, rigorosamente, tudo que tenha sentido procrastinatório”.[5]

Como narrado, a reforma processual se mostrou sim necessária, visando, precipuamente, uma coesa acessibilidade do jurisdicionado ao direito material previdenciário perseguido.

A este intento, s.m.j, o “Novo CPC” foi tímido, onde poderia ter previsto específica celeridade da causa previdenciária, que traz em seu bojo, nas sempre lúcidas palavras do Mestre e Doutor Miguel Horvath Júnior[6]“consistem em clausulas pétreas implícitas na categoria de normas intangíveis relativas aos direitos fundamentais”.

[1] BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. 5ª ed. São Paulo: LTr. 2009. p.11.
[2] BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. 5ª ed. São Paulo: Saraiva. 2011. p.45.
[3] Projeto de Lei 166/2010.
[4] Exposição de Motivos do Projeto de Reforma do CPC.
[5] SANTOS, Ernane Fidélis. Novíssimos Perfis do Processo Civil Brasileiro. Vol. 1, Belo Horizonte: Del Rey. pg.146.
[6] Revista de Direito Previdenciário da Escola Paulista de Direito. Ano II. Número 02. São Paulo: 2006. pg.247.

Theodoro Vicente Agostinho é advogado, professor do Instituto Brasileiro de Estudos Previdenciários, do Damásio Educacional e do LEX Cursos Jurídicos.

Sérgio Henrique Salvador é advogado, professor do Instituto Brasileiro de Estudos Previdenciários, do Centro Universitário de Itajubá, da Rede Êxito e da Unisal.

Fonte: ConJur

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