Lei Geral DAS POLÍCIAS CIVIS: a verdade em uma realidade desinformada

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Em meio à polêmica sobre mudança na legislação, estigmas e interpretações enviesadas sobre questão técnico-jurídica preponderaram sobre a racionalidade necessária que deve nortear o debate.

Projeto de Lei Orgânica propõe a busca pela eficiência no trabalho policial, com diagnósticos e metas quantitativas e qualitativas de produtividade na resolução de crimes

De supetão, e com enorme irradiação de repercussão, o tema acerca das minutas sobre as Leis Gerais das polícias civis e militares (ainda em debate e distante de uma votação no Congresso Nacional) ecoou com extremo impacto informativo e até psicológico em setores da sociedade civil e política nesta semana.

Infelizmente, estigmas e interpretações enviesadas sobre uma questão técnico-jurídica preponderaram sobre a racionalidade necessária que deve nortear o debate sobre a regulamentação infraconstitucional pela União federal das polícias civis e militares, prerrogativa constitucional estabelecida pela Constituição Federal de 1988 e até hoje não atendida pelo Congresso Nacional.

Diversos eixos interpretativos equivocados, ainda que baseados em preocupações políticas bem intencionadas e destinadas a defender o regime democrático, foram amplificados sem checagem da veracidade dos fatos que realmente direcionam o tema.

No que tange à Lei Geral das Polícias Civis, ainda em discussão, e tentativa de consolidação entre as entidades de classe de âmbito nacional envolvidas (Adepol do Brasil e Cobrapol), inúmeros avanços quanto aos mecanismos de gestão moderna e convergentes com o Estado Democrático de Direito são propostos. Destaco alguns importantes exemplos:

– a previsão de mandato de dois anos aos delegados gerais das polícias civis, com critérios objetivos, como reputação ilibada, classe mais elevada e obrigatoriedade de apresentação de um planejamento estratégico com metas e indicadores objetivos de gestão, que em nada atenuam a discricionariedade política dos governadores. Eles poderão livremente escolher, porém, em conformidade com requisitos de controle social de caráter objetivo, que são típicos de autoridades policiais em democracias avançadas, fortalecendo os institutos de accountability civilian oversight;

– propõe-se ao Conselho Superior de Polícia Civil, com composição a ser definida em lei do respectivo ente federado e de iniciativa dos governadores, diversas prerrogativas, dentre as quais programas de integridade corporativa, diagnósticos contínuos dos problemas e necessidades da instituição;

– são balizadas como normas gerais unidades especializadas de combate à corrupção, lavagem de dinheiro e de interceptação telefônica, em conformidade com as legislações federais que normatizam o tema;

– propugna-se a eficiência como princípio norteador de gestão, focando-se diagnósticos e metas quantitativas e qualitativas de produtividade de resolução de crimes;

– consolidam-se princípios próprios do Estado Democrático de Direito, aplicáveis às forças policiais, como o compartilhamento de dados de persecução penal entre as polícias civis, uso progressivo da força, soluções de mediação de conflitos;

– são propostas normas de maior autonomia e profissionalização das corregedorias, pautadas por atuação correicional e preventiva.

Não há no texto proposto qualquer busca de federalização das Polícias Civis, ideia inclusive inconstitucional.

Ademais, a previsão de autonomia operacional e administrativa é redundante pela própria natureza técnica da atividade policial investigativa, que não tem na sua essência finalística vínculo com vontades políticas de governantes. Afinal, não faltam exemplos desastrosos para a sociedade de situações em que governadores ou mandatários de cargos eletivos influenciaram na dinâmica de uma Investigação para obtenção de efeitos específicos alheios à verdade de uma apuração criminal. Basta para tal confirmação a realização de simples pesquisas na internet.

Portanto, não há qualquer conexão entre a discussão da regulamentação do artigo 24, XVI, da Constituição Federal , que versa sobre a União federal legislar sobre as polícias civis mediante normas gerais, com supostos interesses ocasionais de determinado grupo político. As forças policiais já são exageradamente estigmatizadas por terem sido instrumentos de projeção de poder de regimes políticos diversos em nossa combalida história como nação, não sendo, portanto, racional atribuir esta necessária e vital discussão a uma polarização política nacional, que está destruindo de vez a racionalidade técnica e científica em uma sociedade já deficiente em educação, conhecimento e cultura, bens imateriais não atendidos por um Estado historicamente omisso e reprodutor de ineficiências.

Cabe ao regime democrático, com seus pressupostos de respeito à legalidade e legitimidade pela soberania popular, definir como uma de suas prioridades instituições policiais regulamentadas com fulcro em parâmetros técnicos, constitucionais, modernizantes e que fortaleçam o controle social das polícias em detrimento de ingerências políticas, que se servem e usam as atribuições das polícias para interesses de poder e eleitorais.

Rodolfo Queiroz Laterza

Delegado da Polícia Civil do Estado do Espírito Santo e professor da Academia de Polícia Civil do Estado do Espírito Santo. Mestre em Segurança Pública, pós-graduado em Políticas e Gestão em Segurança Pública; Direito Penal e Processo Penal; Medicina Legal e Ciências Forenses; e Direito Público