Coluna ‘Atualização Jurídica’: O Princípio da Especialidade no Âmbito Policial

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Por Delegado Renê de Almeida

Sem deixar margem a interpretações jurisprudenciais ou doutrinárias, com origem no espelhar Direito Romano, o Princípio da Especialidade tem assento confortável no ordenamento jurídico de Rui Barbosa.

Nessa seara, flagrante é o entendimento de que a lei especial há de prevalecer sobre a lei geral (lex specialis drogas generali).

A lei é tida como especial por reproduzir fidedignamente a lei geral, mas acrescendo a ela outros elementos, uma coroa a um ser humano comum, como se um Rei p fosse em face dos seus plebeus. A isso, damos o nome de especializantes.

Exemplos clássicos do que estamos a discorrer ocorre nas condutas típicas descritas nos artigos 121 e 123 do nosso Código Penal. No homicídio, artigo 121, o núcleo do tipo é o verbo MATAR. No crime de infanticídio, constante do artigo 123, por seu turno, o verbo também é violento; MATAR. Aqui, no entanto, afigura-se necessário um Plus, um algo a mais, um diferenciador, ESPECIAL. A vítima há de ser filho recém-nascido da autora da conduta delitiva, e achar-se sob estado de puerpério.

Postas estas singelas observações, passemos a discorrer sobre a rotina das Delegacias de Polícia e Plantões Centrais do nosso País, em que comumente se deparam com as mais variadas situações a envolver procedimentos policiais em que se deve analisar as regras da lei geral e especial, aqui pugno, com todas as vênias, extrairmos entendimento para nortear procedimentos padrões nas unidades policiais do nosso imenso País.

Nas comarcas de “menor” entrância do Brasil, a Autoridade Policial, o Delegado de Polícia, o Promotor de Justiça e o Juiz possuem circunscrição, atribuições e Jurisdição, respectivamente, na seara criminal, sobre todas as infrações  penais ali  ocorridas, tendo elas, mulheres, idosos, adolescentes e adultos, imputáveis ou inimputáveis e, por consequência, a legislação geral e a especial são constantemente postas a exames e aplicabilidade, em especial no tocante ao rito do Inquérito Policial, eis que nas situações anteriores citadas, temos a lei Maria da Penha, o Estatuto do Idoso e o Estatuto da Criança e do Adolescente, o nosso ECA, a ser observadas, por comporem o nosso ordenamento jurídico como legislação especial.

Naquelas pequenas Comarcas, no âmbito da Delegacia de Polícia Civil, a Autoridade Policial, em casos fragranciais ou mesmo nos Inquérito sobre Policiais inaugurados por Portaria da lavra do Delegado de Polícia, ainda que  haja adultos e adolescentes autores da conduta típica, um só Inquérito Policial é instaurado para a apuração do feito e, em tendo um imputável (adulto) e outro inimputável (adolescentes), autores de um mesmo tipo penal, por exemplo, o descrito no artigo 155 do Código Penal, o primeiro é indiciado por pratica de crime de furto, o segundo, por ato correlato a tal crime, neste caso, em estrita obediência aos ditames do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Concluído o procedimento Policial, relatado e encaminhado ao MP/JUIZ, ali serão adotados ritos distintos para o mesmo procedimento iniciado na Portaria, posto que a autoridade policial é una, mas o Promotor de Justiça e o Juiz são titulares das Varas comum, da Criança e Adolescente, Eleitoral e outras. Assim, por imperativo legal, prazos e procedimentos são adotados de formas   diferenciadas, após haverem os Autos sido devidamente apartados.

Nas capitais brasileiras, em especial, por outro lado, há, além das Delegacias distritais, as Especializadas, com os seus respectivos titulares, o mesmo se dando nos âmbitos do Ministério Público e do Poder Judiciário, com as Delegacias da Infância e Juventude e, via de regra, na direção da mesma terminologia, as Varas da Infância e Juventude.

Como Delegado de Polícia por mais de trinta anos, presenciei centenas de outros colegas, plantonistas, ao apurar uma só infração penal, principalmente em casos flagranciais de roubo, por exemplo, em que há dois conduzidos, um adulto, outro, adolescente, imputável e inimputável, formalizarem, respectivamente, dois procedimentos policiais. Um, em face do imputável, o tradicional Auto de Prisão em Flagrante Delito; outro, em face do adolescente, Auto de Apreensão em Flagrante por Ato Infracional. Para tanto, vejam só, dois procedimentos policiais são formalizados e, via de regra, por dois Delegados de Polícia distintos. Nesse caso, que penso ser equivocado, em havendo objetos, valores, etc, apresentados à Polícia, tecnicamente, dois Autos de Apresentação e Apreensão há de ser formalizados, além de dois relatórios policiais ao cabo dos respectivos procedimentos policiais.

Por tudo isso e contra isso, me insurjo propondo aos colegas Delegados da Associação dos Delegados (ADEPOL) do Brasil, após, data vênia, mais gabaritada análise, possível edição de “SÚMULA” na seara Policial, a servir de referência a todos os colegas Delegados de Polícia do  Brasil, nas formalizações de procedimentos policiais nas nossas unidades policiais, adotando-se, doravante, no exemplar caso ao norte citado e similares, em havendo uma mesma conduta delitiva praticada por adultos e adolescentes, imputáveis e inimputáveis, no  mesmo contexto fático, seja formalizado um só Auto Flagrancial DM face de todos os conduzidos, repise-se, adolescentes e adultos, sendo a sua terminologia técnica AUTO DE APREENSÃO E PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO, sendo o procedimento uno, em estreita obediência aos ditames do PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE, encaminhado ao Promotor Curador da Vara da Infância e Juventude, que deverá desentranhar os atos relativos ao(s) adulto(s) imputável(eis), encaminhando-os ao Juiz da Vara competente, não especializada para, somente a partir daí, não em âmbito policial, serem adotados os respectivos e necessários ritos.

Professor e Delegado Renê de Almeida é Delegado de Polícia Civil Classe Especial-Ap e Pós-Graduado com Especialização em Ciências Penais-Especialista. Mestrando em Criminologia pela Universidade Fernando Pessoa-Porto-Portugal, é Vice-Presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil-Norte, além de Diretor-Executivo da Academia Nacional dos Delegados de Polícia do Brasil. Atua como Professor de Direito Penal, Processo Penal e Criminologia.