A controvérsia sobre os informantes

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A linguagem cifrada do Direito Penal muitas vezes leva o leigo, e também o jurista, a conclusões equivocadas. O mesmo pode-se dizer de alguns entendimentos jurisprudenciais, os quais muitas vezes refletem tão-só uma construção, nem sempre tão evidente a olhos ou ouvidos não treinados. O atual debate sobre o antigo Presidente da República poder ser ouvido como informante em determinada investigação criminal bem reflete esse estado de coisas.

Por primeiro, é importante esclarecer o que o Direito entende por testemunha. Recorde-se que o Brasil não conhece a figura do perjúrio. Justamente por isso, não é qualquer pessoa chamada à juízo que se mostra como tal. Ainda que se entenda que, no processo penal, qualquer pessoa possa ser testemunha (art. 202, CPP), resta claro que, para ser considerada como tal, a pessoa chamada deverá fazer, sob palavra de honra, a promessa de dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado (art. 203, CPP). Nesse sentido, entende-se que fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade nessa condição de testemunha, implica, por sua vez, em crime de falso testemunho (art. 342, CP).

Ora, ocorre que nem todas as pessoas depoentes podem ser consideradas como testemunhas, sendo escusados do compromisso os parentes próximos (art. 206, CPP), pessoas proibidas de depor em razão de função, ministério, ofício ou profissão (art. 207, CPP), os doentes e deficientes mentais ou menores de 14 anos (art. 208, CPP), ou, ainda, a quem se mostre como investigado, pois nessa condição, não seria de se imaginar que viesse este a fazer prova contra si próprio. Em tais situações, não seriam consideradas testemunhas propriamente ditas, mas, apenas, declarantes, ou, como se preferiu, na recente autorização do Ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, informantes. Sobre isso, a dúvida presente.

O processo civil, que também prevê a ideia do compromisso às testemunhas, explicita que é facultado ao juiz ouvir, na qualidade de informante, e, portanto, sem compromisso legal de dizer a verdade, as pessoas impedidas ou suspeitas, devendo ter seus depoimentos o valor que o magistrado entender que possam merecer (art. 405, §4º, CPC). Genericamente, estes seriam vistos como informantes. Tal necessidade, que também pode se dar no processo penal, acaba por admitir a presença de depoimentos não compromissados nesse campo. Isso se justificaria, como se viu, quer por suas eventuais ligações com outros investigados, quer, ainda, por poder tal pessoa vir a futuramente ser implicada na própria investigação. Muito embora não exista, tão explicita ou positivadamente, a menção ao termo informante (quanto mais em processo penal), tais depoentes informantes guardam uma limitação evidente no que diz respeito ao compromisso de dizer a verdade e à consequente não obrigação de construir prova contra si. Daí, sua razão de ser.

No caso concreto, o que se verifica é que a Polícia Federal parece estar a buscar maiores esclarecimentos sobre determinados fatos. Em outras palavras, não está a acusar formalmente o anterior Presidente da República. Este, a princípio, não se mostra, pois, como investigado, mas seu depoimento é requerido para tantos esclarecimentos. Aqui, a origem da contradição. O Procurador Geral da República, analisando o pedido da Polícia Federal, ponderou que, “acentuando que a investigação ‘não pode estar dissociada da realidade fática que ela busca elucidar, […] os fatos evidenciam que o esquema que ora se apura é, antes de tudo, um esquema de poder político alimentado com vultosos recursos da maior empresa do Brasil’, concluiu mais adiante que faz-se necessário ‘trazer aos autos as declarações do então mandatário maior da nação, LUIS INÁCIO LULA DA SILVA, a fim de que apresente a sua versão para os fatos investigados, que atingem o núcleo político-partidário de seu governo’ (fls. 2.654/2.655). Assim, entende necessária a continuação da investigação elencando diversas diligências, dentre as quais a oitiva de ex-integrantes do primeiro escalão do governo do Presidente LUIS INÁCIO LULA DA SILVA.” Não se menciona, no parecer ministerial, explicitamente, se a oitiva deve se dar consoante testemunha, informante, depoente ou investigado. A conotação de cada uma dessas atribuições é, sim, diferente e sua eventual repercussão política absolutamente diversa.

A mencionada decisão do Ministro Teori Zavascki, por outro lado, tampouco assume ou aponta a situação do futuro depoente. Assevera, sim, que “no caso, as manifestações dessas autoridades são coincidentes no sentido de que as pessoas a serem ouvidas em diligências complementares não ostentam a condição de investigadas, mas, segundo se depreende do requerimento da autoridade policial, a condição de informantes.” Entende-se, pois, pela necessidade de chamamento do ex-presidente, deixando claro que ele, no momento, não é investigado. Mas, com isso, garante-se, ao mesmo, o direito eventual de não fazer prova contra o mesmo. A referida decisão parece socorrer-se no pedido policial, e, assim, não impõe uma condução autônoma ao procedimento. Utiliza a expressão “informante”, a qual pode causar estranheza a alguns, mas que é corriqueira do dia-a-dia forense. Deve-se, contudo, assumir a noção de informante como a de um depoente não compromissado, quer por evento presente (caso fosse ele, desde já, investigado), quer por possibilidade de evento futuro (caso venha a ser, futuramente, investigado).

Dessa forma, a verificação da necessidade de oitiva na condição de informante parece ser a mais ponderada, visando a não ocorrência de eventuais nulidades. Essa política tem sido levada a cabo, há tempos, em sede de depoimentos à Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI). Esclarece a decisão, com todas as letras, que ao que se depreende, do requerimento da autoridade policial, a condição seria de informante. Quanto a isso, o futuro esclarecerá melhor a situação. Entretanto, e sem dar a impressão de que se está a defender um direito de mentir, é de se ver que a garantia dos preceitos processuais deve ser sempre mantida, como benefício do próprio processo em si. Por isso, e em face disso, deve-se esperar, também da Polícia Federal, a maior correção possível, buscando-se a derradeira elucidação dos fatos.

 

Fonte: JOTA