Valorização da Polícia Civil: Confiança Consolidada, Resolutividade Reconhecida e Protagonismo Institucional (Artigo)

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VALORIZAÇÃO DA POLÍCIA CIVIL: CONFIANÇA CONSOLIDADA, RESOLUTIVIDADE RECONHECIDA E PROTAGONISMO INSTITUCIONAL

Simone Arruda do Carmo*

Como Delegada de Polícia Civil há 21 anos e, atualmente, na honrosa posição de presidente da associação que congrega meus pares, ao longo da carreira, passei por diversas delegacias, presidindo investigações de crimes simples a complexos, e em cada um deles, o objetivo último sempre foi o mesmo: a busca pela verdade real e a aplicação da lei penal, materializada na investigação criminal qualificada. É com essa bagagem, que mescla a prática diária da atividade policial com a representação classista, que me proponho a analisar o atual cenário da polícia civil na segurança pública, partindo de dados concretos e refutando narrativas simplistas que, infelizmente, têm ganhado espaço no debate nacional.

Recentemente, a pesquisa Atlas/Bloomberg, divulgada pelo jornal O Estado de S. Paulo, trouxe um panorama sobre a confiança do brasileiro nas instituições. Em um cenário de profundo descrédito generalizado, onde 81% dos cidadãos não confiam no Congresso Nacional e 52% não acreditam no Governo Federal, um dado se destaca e merece uma reflexão aprofundada: o nível de confiança depositado na Polícia Civil. A pesquisa Atlas/Bloomberg, realizada entre os dias 3 e 6 de agosto de 2025, com 2.447 entrevistados, aponta números reveladores sobre o grau de confiança nas instituições brasileiras

Polícia Civil lidera o ranking: 60% confiam, enquanto 26% não confiam e 14% não souberam responder.

Em segundo lugar fica a Polícia Militar com 56% de confiança, seguida pela Igreja Católica com 53%.

A Polícia Federal e o Supremo Tribunal Federal (STF) registram 49% (confiança).

Essa confiança não surge do vácuo. Ela é o corolário direto de um trabalho que busca, incessantemente, a eficiência e a resolutividade. E aqui, é imperativo trazer à luz os dados de um estudo de abrangência nacional, conduzido pela Associação Nacional dos Delegados de Polícia do Brasil (ADEPOL-BR). A pesquisa, intitulada “Estudo Nacional da ADEPOL do Brasil sobre Índices de Resolutividade das Polícias Civis e da Polícia Federal”, demonstrou a notável capacidade investigativa da instituição. Contrariando o senso comum e narrativas midiáticas que frequentemente pintam um quadro de ineficiência, o estudo revelou que, em crimes de alta complexidade como homicídios dolosos, os índices de elucidação em muitos estados superam em muito a média histórica, alcançando patamares de excelência.

Destacam-se os dados comparativos que permitem visualizar os resultados da atuação policial civil: segundo levantamento disponível, a taxa média nacional de elucidação de inquéritos policiais, alcança 68,80%, com variações entre as unidades federativas. Exemplifica-se:   Maranhão com 98,48%; Acre com 92,69%; Amazonas, com 86,52% e Roraima com 73,70%. A pesquisa não se limita a informar dados nacionais, seu idealizador e revisor cnico o Delegado Presidente da ADEPOL BR, Rodolfo Queiroz Laterza, também realiza uma comparação com dados de outros países, apresentando também informações sobre o quantitativo de efetivo legal, efetivo atual e o déficit, em cada cargo existente na polícia civil.

Cada inquérito policial relatado com autoria definida ou não, cada prisão cautelar representada com fundamentos robustos, cada operação deflagrada com base em meses de investigação meticulosa, é um tijolo na construção desse edifício de confiança. E o arquiteto dessa construção é, por excelência, o Delegado de Polícia. Profissional do Direito, aprovado em concurso público de provas e títulos de altíssimo nível, o Delegado é o primeiro garantidor dos direitos fundamentais no âmbito da investigação, presidindo o inquérito policial com a autonomia e a imparcialidade que a função exige. Sua capacidade técnica, acadêmica e de gestão é o motor que impulsiona a equipe de investigação – escrivães, agentes, peritos – na busca pela prova.

O reconhecimento dessa importância institucional atingiu seu ápice recentemente, com a promulgação da Lei Orgânica Nacional da Polícia Civil (Lei nº 14.735/2023). Esta lei não é uma mera formalidade; é a materialização de décadas de luta das associações de delegados, como a ADEPOL-BR e as ADEPOLs estaduais. Ela estabelece um padrão mínimo de organização para as Polícias Civis em todo o Brasil, reforça a natureza jurídica e essencial da carreira de Delegado de Polícia, e estabelece garantias e prerrogativas indispensáveis ao exercício independente da função. A Lei Orgânica é um marco que valoriza o profissional e, por consequência, fortalece a instituição, capacitando-a a servir ainda melhor à sociedade. A confiança demonstrada na pesquisa da Atlas/Bloomberg ocorre, simbolicamente, neste momento de reafirmação da identidade e da importância da Polícia Civil.

É nesse contexto de dados positivos e avanços institucionais que causa profunda estranheza e perplexidade a recente declaração do Ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, ao afirmar que a “polícia prende mal”. Tal assertiva, proferida sem a apresentação de qualquer dado quantitativo ou qualitativo que a sustente, soa como um desrespeito ao trabalho de milhares de policiais e, mais grave, como um diagnóstico equivocado para um problema complexo. A fala do Ministro parece servir de justificativa para a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 18/25, que, sob o pretexto de modernizar a segurança, pode, na prática, desestruturar o modelo de investigação criminal que, como os dados da ADEPOL-BR demonstram, apresenta resultados expressivos.

Afirmar que a “polícia prende mal” é ignorar que a prisão é, em regra, o último ato de um processo investigativo complexo e que toda prisão efetuada pela Polícia Civil passa, necessariamente, pelo crivo do Poder Judiciário e do Ministério Público. Se há um problema no sistema de justiça criminal, ele é multifatorial e sistêmico, e não pode ser atribuído, de forma leviana e generalista, à ponta da lança que é a atividade policial. A solução para os desafios da segurança pública não reside em reformas constitucionais apressadas e baseadas em diagnósticos impressionistas, mas sim no fortalecimento das instituições existentes, no investimento em tecnologia, em inteligência com integração de dados e, fundamentalmente, na valorização do capital humano.

A PEC 18/25, ao que tudo indica, busca reinventar a roda, ignorando os avanços já consolidados e o caminho de aprimoramento que a Polícia Civil, sob a liderança dos Delegados de Polícia, vem trilhando. A verdadeira modernização passa pelo cumprimento efetivo da recém-aprovada Lei Orgânica Nacional, pela garantia da autonomia financeira e administrativa das Polícias Civis, e pela contínua capacitação acadêmica e técnica de seus quadros. Os Delegados de Polícia, com sua formação jurídica e sua experiência na gestão da investigação criminal, devem ser protagonistas na formulação de políticas públicas de segurança, e não alvos de críticas infundadas que visam justificar mudanças estruturais questionáveis.

Em conclusão, a pesquisa Atlas/Bloomberg não é um ponto de chegada, mas um indicador do caminho correto. A confiança da população na polícia é um ativo precioso, construído com o trabalho sério e dedicado de cada policial civil estadual, sob a presidência jurídica do Delegado de Polícia. As ações incansáveis da ADEPOL-BR e das ADEPOLs estaduais na busca por valorização, que culminaram na Lei Orgânica Nacional, são a prova de que a luta por melhores condições de trabalho e por garantias institucionais se reflete diretamente na qualidade do serviço prestado ao cidadão.

Este resultado, que coloca a polícia civil, uma força de segurança pública repressiva, com índice de confiança acima dos poderes políticos tradicionais, pode ser analisado como a legitimação do poder, pela ótica conceitual apresentada pelo filosofo Michel Foucault, que afirmou que o poder não é apenas a força repressiva do Estado, mas uma rede que produz “rituais de verdade” onde, a alta confiança na Polícia Civil sugere que a população legitima seu poder, que produz resultados concretos e fatos apuráveis — a elucidação de um crime — em vez do discurso político, muitas vezes visto como distante e ineficaz.

A resposta aos desafios da criminalidade não está em propostas de emenda constitucionais que partem de premissas equivocadas, mas na valorização do modelo que já demonstrou sua eficácia. A Polícia Civil, hoje, é uma das instituições em que a população mais confia. E essa confiança não foi outorgada; foi conquistada com muito trabalho, com a elucidação de crimes, com a proteção de vítimas e com a luta constante por valorização pessoal e profissional dos Delegados de Polícia Civil do Brasil. Uma conquista construída com trabalho árduo, gestão eficiente e luta por estrutura e reconhecimento. Não há espaço para experimentações legislativas desprovidas de fundamento — pois a Polícia Civil já se prova, todos os dias, a instituição mais confiável do Brasil.

 

*Simone Arruda do Carmo é presidente da Adepol-Roraima e diretora Adepol do Brasil