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Provas colhidas acidentalmente são aceitas pela jurisprudência do STJ

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A colheita acidental de provas, mesmo quando não há conexão entre os crimes, tem sido admitida em julgamentos mais recentes. Esse descobrimento casual de novas informações que pode levar a novos crimes é chamado de serendipidade. A expressão vem da lenda oriental sobre os três príncipes de Serendip, que eram viajantes e, ao longo do caminho, fizeram descobertas sem ligação com seu objetivo original.

A validade dessas provas encontradas casualmente já foi discutida inúmeras vezes pelo Judiciário e pela doutrina jurídica. Inicialmente, a orientação do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal era validar o fato descoberto acidentalmente, desde que houvesse conexão com a investigação original.

Hoje, a colheita acidental de provas mesmo quando não há conexão entre os crimes já tem sido admitida. Por exemplo, o ministro João Otávio de Noronha abordou o tema em uma sessão em que a Corte Especial recebeu denúncia contra envolvidos em um esquema de venda de decisões judiciais no Tocantins (APn 690).

Durante o caso, que apurava o uso de moeda falsa, a Justiça Federal no Tocantins percebeu que as escutas telefônicas revelavam que decisões judiciais estavam sendo negociadas por desembargadores. A investigação foi então remetida ao STJ, por conta do foro privilegiado das autoridades.

O ministro ponderou que a serendipidade “não pode ser interpretada como ilegal ou inconstitucional simplesmente porque o objeto da interceptação não era o fato posteriormente descoberto”. Com isso, o magistrado determinou a abertura de um novo procedimento específico. Segundo ele, seria impensável entender como nula toda prova obtida ao acaso.

Anteriormente, em 2013, Noronha já havia apresentado o mesmo entendimento sobre o assunto. “O encontro fortuito de notícia de prática delituosa durante a realização de interceptações de conversas telefônicas devidamente autorizadas não exige a conexão entre o fato investigado e o novo fato para que se dê prosseguimento às investigações quanto ao novo fato”, disse.

Também em 2013, no HC 187.189, o ministro Og Fernandes afirmou que é legítima a utilização de informações obtidas em interceptação telefônica para apurar conduta diversa daquela que originou a quebra de sigilo, desde que por meio dela se tenha descoberto fortuitamente a prática de outros delitos. Caso contrário, “significaria a inversão lógica do próprio sistema”.

O caso julgado tratava de denúncia formulada pelo MPF a partir de desdobramento da operação Bola de Fogo, cujo objetivo era apurar a prática de contrabando e descaminho de cigarros na fronteira. No entanto, a denúncia foi por outros crimes – formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. Por isso, a defesa sustentava a ilegalidade das provas e queria o trancamento da ação penal.

Em seu entendimento, Og Fernandes asseverou que não houve irregularidade na investigação. “Não se pode esperar ou mesmo exigir que a autoridade policial, no momento em que dá início a uma investigação, saiba exatamente o que irá encontrar, definindo, de antemão, quais são os crimes configurados”, afirmou.

“Logo, é muito natural que a autoridade policial, diante de indícios concretos da prática de crimes, dê início a uma investigação e, depois de um tempo colhendo dados, descubra algo muito maior do que supunha ocorrer”, concluiu.

Inclusão de novos acusados

A jurisprudência também aceita a possibilidade de se investigar um fato delituoso de terceiro descoberto fortuitamente, desde que haja relação com o objeto da investigação original. Esse foi o entendimento da Quinta Turma do STJ ao julgar o RHC 28.794. O caso envolvia a interceptação de um corréu e resultou em denúncia por corrupção passiva contra esse terceiro, que não era o objetivo da investigação.

A ministra Laurita Vaz, relatora do caso, destacou em seu voto que tal circunstância não invalida a utilização das provas colhidas contra esses terceiros. “A descoberta de fatos novos advindos do monitoramento judicialmente autorizado pode resultar na identificação de pessoas inicialmente não relacionadas no pedido da medida probatória, mas que possuem estreita ligação com o objeto da investigação”, disse.

Em outro caso, referente ao HC 144.137, o ministro Marco Aurélio Bellizze também reconheceu que a interceptação telefônica vale também para outros crimes ou pessoas, até então não identificados, que vierem a se relacionar com as práticas ilícitas. Segundo ele, tudo o que for obtido por escutas judicialmente autorizadas será lícito, e novos fatos poderão envolver terceiros inicialmente não investigados. “Ora, a autoridade policial, ao formular o pedido de representação pela quebra do sigilo telefônico, não poderia antecipar ou adivinhar tudo o que está por vir”, disse.

A investigação apurava um esquema de corrupção no Ibama e as escutas recaíram sobre um servidor do órgão. Porém, o Ministério Público ofereceu denúncia por corrupção ativa contra um empresário, supostamente beneficiado pelo esquema.

Prática futura de crime
Em relação à informações que comprovem prática futura de crime, há precedente do STJ que delimita não ser necessário exigir a demonstração de conexão entre o fato investigado e aquele descoberto por acaso em escutas legais.

Para o relator do caso referente ao HC 69.552, ministro Felix Fischer, além de a Lei 9.296/96 não exigir tal conexão, o estado não pode ficar inerte diante da ciência de que um crime vai ser praticado. O juiz também ressaltou que a violação da intimidade foi realizada com respaldo constitucional e legal.

Na investigação, as interceptações eram direcionadas a terceiro alheio ao processo, mas revelaram que uma quadrilha pretendia assaltar instituições bancárias. Felix Fischer esclareceu que nem sempre são perfeitas a correspondência, a conformidade e a concordância previstas na lei entre o fato investigado e o sujeito monitorado. De acordo com o ministro, “pode ser, também, que haja a descoberta da participação de outros envolvidos no crime. Enfim, inúmeras possibilidades se abrem”.

Para Fischer, a exigência de conexão entre o fato investigado e o fato encontrado fortuitamente só se coloca para as infrações penais passadas. Quanto às futuras, “o cerne da controvérsia se dará quanto à licitude ou não do meio de prova utilizado, a partir do qual se tomou conhecimento de tal conduta criminosa”.

Novas investigações
A utilização da interceptação telefônica como ponto de partida para nova investigação também é possível. De acordo com entendimento do ministro Jorge Mussi, é “perfeitamente possível que, diante da notícia da prática de novos crimes em interceptações telefônicas autorizadas em determinado procedimento criminal, a autoridade policial inicie investigação para apurá-los, não havendo que se cogitar de ilicitude”.

A decisão acima aborda o julgamento do HC 189.735, referente à operação Turquia. Nesse caso foram investigadas irregularidades na importação de medicamentos, mas, após meses de monitoramento, foi percebido que os suspeitos haviam desistido da ação.

Apesar disso, as interceptações revelaram relações “promíscuas” de servidores públicos com a iniciativa privada. Desse modo, foi efetuado o desmembramento do inquérito para a apuração dessas outras condutas, resultando na operação Duty Free.

Sigilo bancário e fiscal
Em relação às descobertas inesperadas decorrentes da quebra de sigilo bancário e fiscal. A Sexta Turma do STJ, no HC 282.096, reconheceu a legalidade das provas que levaram a uma denúncia por peculato, crime que não havia originado a solicitação dos dados financeiros em questão.

O relator, ministro Sebastião Reis Júnior, mencionou que as medidas de quebra do sigilo bancário e fiscal não terem como objetivo inicial investigar o crime de peculato não retira a importância dos elementos indiciários acerca do crime.

Busca e apreensão
No RHC 45.267, a Sexta Turma analisou a serendipidade no cumprimento de mandado de busca e apreensão. O mandado autorizava a apreensão de documentos e mídias em determinado imóvel pertencente à investigada, suspeita de receber propina em razão de cargo público.

No cumprimento da medida, a polícia acabou apreendendo material que foi identificado como do marido da investigada. Ao analisar o conteúdo, a polícia constatou diversos indícios de que ele também teria participação no suposto esquema. Com isso, o novo envolvido passou a ser investigado e buscou, por meio de habeas corpus, o reconhecimento da ilegalidade da prova colhida no local onde foi feita a busca.

Na decisão da Sexta Turma, por maioria (três a dois), a desembargadora convocada Marilza Maynard, ponderou sobre a dificuldade da polícia em identificar a propriedade de cada objeto apreendido, pois o local era comum do casal, onde ambos habitavam e trabalhavam. Ela também comentou que, em virtude de a perícia ter encontrado nos documentos apreendidos indícios de envolvimento do marido, era possível indiciá-lo com base nessas provas.

Flagrante
Em outro julgamento, também na Sexta Turma, os ministros analisaram um caso (RHC 41.316) em que, no cumprimento de mandado de busca e apreensão, foram encontrados armas e cartuchos na residência do investigado, dando início a uma nova ação penal.

A relatora, ministra Maria Thereza de Assis Moura, destacou em seu voto que, como o delito do artigo 16 da Lei 10.826/03 é permanente, o flagrante persiste enquanto as armas e munições estiverem em poder do agente. As provas encontradas fortuitamente foram consideradas legais. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Fonte: ConJur

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