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Por que é preciso discutir a PEC 37

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Por que é preciso discutir a PEC 37

DIÁRIO DA MANHÃ

REGINALDO MARTINS COSTA

Imagine-se na cena de um crime. Você investiga uma autoridade suspeita de práticas de corrupção. Sua tarefa é coletar provas, mas entre indícios de que ele é culpado existe ao menos um que coloca em dúvida sua tese. Pode ser que ele seja inocente, mas nos tribunais você vai acusá-lo, afinal você acredita que essa seja sua função: acusar, e só acusar. Vai dizer que é culpado. Surge, naturalmente, uma questão: coleta ou não o elemento que pode inocentá-lo ou levantar dúvidas sobre sua culpa? E se não coletar, haverá alguém, um fiscal externo, para fazer juízo dessa sua opção?

A hipotética imaginada acima não tem por finalidade testar a honestidade de quem quer que seja, mas de discutir a lisura das investigações nos parâmetros estabelecidos hoje pela constituição brasileira. O debate em torno da Propostade Emenda Constitucional Nº 37 (PEC 37) é necessário. E propaganda vazia como vem sendo feita não cumpre com esse exercício indispensável a todo processo democrático, o confronto de ideias.

Todo cidadão que enfrenta um processo criminal tem de enfrentar o Ministério Público, seu acusador. O promotor que tem como tarefa condenar é também autor da investigação, enquanto a defesa tem acesso somente às provas coletadas pela promotoria e pela polícia. É como jogar cartas contra o dono do cassino. É injusto.

É esse desequilíbrio entre defesa e acusação que deve ser discutido a fundo, afinal os direitos à ampla defesa e ao contraditório, paridade de armas, presunção de inocência ou não, culpabilidade, o sistema acusatório, a repartição de competências e atribuições são constitucionais e humanitários. Isso deve ser revisto, para não vivermos numa anarquia, no autoritarismo ou numa sociedade de exceção.

A proposta da PEC 37 é deixar ainda mais claro que é restrita à Polícia Judiciária (Polícias Federal e Civil), como sempre foi, a prerrogativa de investigar. Seriam mantidos os poderes do Ministério Público indispensáveis à democracia e à manutenção da ordem. O fiscal das leis, instituição vital para o país, não teria sua atuação cerceada.

Desde a Constituição de 1988, o Ministério Público vem protagonizando avanços importantíssimos para a democracia brasileira. É um importante guardião do patrimônio público e da ordem, cumpre as funções de denunciar, cobrar das autoridades inquéritos de qualidade, controle externo da polícia, entre outras. Compõe, ao lado do Judiciário e da OAB, o tripé dos administradores da Justiça no País.

Ainda com a aprovação da PEC 37 seguem asseguradas as funções do Ministério Público de sugerir providências e realizar o controle externo da polícia, função que se exercida em tempo real e de forma eficiente ensejará que as investigações realizadas pela polícia judiciária sejam cada vez mais eficazes, bem como diminuirá sensivelmente os possíveis e eventuais desvios de condutas dos membros da polícia, por certo existentes como em qualquer outra instituição onde existam seres humanos.

A Constituição que estabelece os papéis de cada instituição na ação penal: a Polícia Judiciária investiga; o Ministério Público analisa o que foi investigado e pede mais investigação, o arquivamento ou denuncia; a advocacia atua na defesa do acusado ou como assistente da acusação e o Judiciário julga. Subverter essas atribuições equivale a quebrar o equilíbrio das partes no processo penal, ferindo gravemente o estado democrático de direito.

A PEC 37 é fundamental para que a Constituição diga com toda a clareza de que somente a autoridade policial pode investigar, já que se suscitam dúvidas quanto à interpretação da redação atual. O delegado de polícia é a autoridade imparcial na elucidação das infrações penais, já que não está comprometido com futura ação penal. Quem acusa não é imparcial.

É inegável que o combate à corrupção é necessário e imperioso e isso nos remete a outro tema que podemos debater em outra ocasião, o fortalecimento das polícias Civil e Federal. Mas o mundo não é só corrupção; é também furto, roubo, tráfico, homicídio, que merecem atenção de todos, não podendo o investigador escolher o que investigar– somente crimes de repercussão, que tenham polícia ou o próprio Ministério Público envolvido. E mais: quem iria fiscalizar a atuação do Ministério Público, se investigasse, ainda na fase de investigação? O CNMP em Brasília, com seus poucos Conselheiros, eleitos para mandatos de dois anos? As corregedorias locais, integradas pelos próprios membros do Ministério Público?

Há uma tentativa de desviar a verdadeira discussão, com propagandas financiadas pelo Ministério Público, que naturalmente não quer perder seu poder – aliás, ninguém quer –,pois ao defender a aprovação da PEC 37 não se defende a impunidade, a corrupção, a criminalidade, mas sim a permanência de um sistema rígido de partições de atribuições, pelo bem de cada um dos cidadãos. O Ministério Público, como qualquer instituição deste país, tem de respeitar os limites a ele impostos, por mais benfazejo que seja o ideário da instituição.

O que se propõe com a PEC 37 é que haja normas claras para atuação de todos os órgãos, reduzindo ao mínimo qualquer interpretação subjetiva. Sem margem para dúvidas quanto à isenção das investigações, o País alcança um importante avanço democrático e democracia fortalecida significa redução da corrupção. Por isso, é preciso debater com profundidade o assunto antes de dizer que a proposta favorece uns e outros. É, na verdade, de interesse da sociedade.

(Reginaldo Martins Costa, advogado e conselheiro federal da

OAB-GO)

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