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Indicar ministro não garante nenhum privilégio ou subordinação ao presidente

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Por Randolfe Rodrigues

[Artigo originalmente publicado no portal UOL nesta segunda-feira (18/5)]

O limão com que tentaram transformar a sabatina do jurista Luiz Edson Fachin, indicado para ministro do Supremo Tribunal Federal, acabou virando uma doce limonada na sessão da última terça-feira (12/5) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.  Numa sessão histórica, que marcou um recorde pela duração de quase 12 horas da sabatina ininterrupta, a CCJ acabou aprovando o nome de Fachin por uma esmagadora maioria de 20 votos contra 7.

O resultado maior, porém, não foi numérico. A relevância da aprovação de Fachin se afirma pela prevalência inequívoca da democracia, que garantiu espaço generoso para um longo e exaustivo debate no qual saíram vitoriosos, mais do que o candidato, a transparência, a discussão, o choque de ideias e a luz do pensamento que forja o caráter, estimula a consciência e reafirma os valores da civilização. Por tudo isso ganharam, sem dúvida, o Parlamento, a Justiça e a nação brasileira.

A sessão da CCJ com Fachin fugiu à maldição burocrática das sabatinas antecedentes, que pareciam mera formalidade para atender ao rito da lei. Dessa vez, o Senado exerceu, no limite de sua atribuição, o direito e o dever de questionar, até com dureza, o candidato que pleiteia a 11ª cadeira de juiz da Suprema Corte.

A discussão preliminar sobre o nome do candidato trazia o azedume dos confrontos ideológicos e dos interesses partidários que rebaixavam o debate e confundiam o cidadão. A oposição à direita não escondia a acidez de seu ataque ao candidato por ser indicação ostensiva da presidente Dilma Rousseff, esquecida de que todo nome proposto ao STF tem origem no Palácio do Planalto, por mera exigência constitucional.

A paternidade (ou, no caso, maternidade) da indicação, mais do que uma sina partidária, é uma imposição do calendário: é o presidente da República que tem o dever de preencher a vaga existente no Supremo.

E essa obrigação legal não garante nenhum privilégio ou subordinação entre o presidente que indica e o ministro que é indicado. Um bom exemplo é Joaquim Barbosa, indicado por Lula e, apesar disso, transformado pelas circunstâncias no algoz preferencial dos petistas e companheiros do presidente a partir de sua implacável atuação como relator no julgamento do mensalão.

A oposição reclamou que o cidadão Luiz Fachin, num certo momento, abriu seu voto para a candidata a presidente Dilma Rousseff, esquecida de que, em outras campanhas, ele declarou apoio aos governadores José Richa e Mário Covas e ao prefeito Gustavo Fruet — por acaso, nomes ilustres que a oposição de hoje um dia louvou como tucanos de estirpe e linhagem.

Os opositores do governo, certos de que deviam usar outra tática, tentaram o recurso menor do ataque burocrático a um eventual exercício ilegal da advocacia quando era procurador no Paraná, malícia que Fachin rebateu simplesmente pelo amparo da Constituição, que lhe dava esse direito.

Sem rebuço na CCJ, o candidato confessou-se “progressista”, o que pode explicar um pouco do ranço concentrado da direita mais zangada, que tentava sem sucesso carimbar o currículo exemplar de Fachin com o sinete do preconceito mais tolo, tentando vesti-lo com a fantasia de “oráculo da poligamia” e de “inimigo da família”.

Sereno, didático, paciente, Fachin atravessou as 12 horas de sua audiência desmontando, um a um, os moinhos dos radicais que, pelo cansaço e pela teimosia, tentavam tempestades de vento para apresentar ao país a versão em terno e gravata de um Frankenstein jurídico. Deu tudo errado.

A longa, indulgente exposição de Fachin acabou mostrando a consistência de sua formação jurídica e a solidez de suas convicções humanistas, ao mesmo tempo em que escancarou a fragilidade de argumentos e o palavrório oco da banda mais conservadora do plenário. A rala votação que obtiveram, após tanto esforço e tanto tempo, mostra que fracassaram, para sorte da Justiça e dos brasileiros de bem.

Derrotados de forma arrasadora, os opositores ao bom direito agora acoitam suas esperanças no voto secreto do plenário, que deverá sacramentar a amadurecida decisão da CCJ. Sussurram que lá, sob o manto do sigilo, os senadores deverão enfim rejeitar o que foi tão amplamente acolhido pela maioria exponencial da comissão. Alegam, à socapa, que terão o apoio e liderança do presidente da Casa, senador Renan Calheiros, na vã esperança do que parece ser outro quixotesco moinho de vento.

Eu prefiro acreditar no que ouvi do próprio Renan, dias atrás, quando o cumprimentei pela firme resistência que opõe à ventania conservadora inflada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. Ao agradecer, Renan me confessou: “Ganhei a presidência do Senado com o centro, mas vou governar com a esquerda”.

Isso nem é necessário. Basta que o Senado assuma, com firmeza e altivez, o compromisso maior que tem com a boa justiça e com os superiores interesses do País. Nada resume melhor esta decisão, agora, do que a confirmação nesta semana de Luiz Edson Fachin como o novo ministro de uma Suprema Corte devotada à lei e ao povo a que todos devemos servir.

 é senador pelo Psol/AP, bacharel em História e em Direito, mestre em Políticas Públicas (UECE) e Professor de Processo Constitucional do Centro de Ensino Superior do Amapá (CEAP)

Fonte: ConJur

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