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Ataques pessoais a ministros não contribuem para a democracia

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Por Fernando Augusto Fernandes

Há uma cultura, se isso pode assim ser chamada, de fazer política com factoides acusações levianas. Já vimos dossiês produzidos contra todos os candidatos no Brasil, muitas vezes acompanhados de provas ilícitas ou forjadas. Todos visam pegar carona na ideologia penal que impulsiona a venda constante de notícias criminais, que promovem, por sua vez, a crescente massa carcerária brasileira.

Nos últimos oito anos, cresceu 511% o número de presos no Brasil, enquanto a população registrou crescimento de 30%. Do total de mais de 700 mil presidiários no país, até o ano passado, assustadores 40% são presos provisórios, ou seja, que não foram condenados.

O Supremo Tribunal Federal tem sofrido de diversas maneiras esse caos, recaindo acusações sobre ministros e candidatos. Os reflexos são inúmeros, desde uma pressão popular que influencia os julgamentos televisionados, como se viu na ação originária julgada pelo pleno, até decisões que acabam cedendo a esse debate público. Rui Barbosa dizia que, “quando a política entra pela porta, a Justiça sai pela janela”.

As campanhas difamatórias em relação aos ministros têm sido constantes, assim como a exposição de endeusamento daqueles que seguem as ondas populares. Toda decisão judicial sempre desagradará um lado, afinal os processos representam conflito de interesses e ideias. Quando coube ao ministro Celso de Melo a decisão sobre o agravo regimental na citada ação originária, iniciaram-se na internet verdadeiros ataques a sua figura. O mesmo ministro que votou pela condenação em vários tipos penais era atacado por admitir um recurso da defesa, previsto no regimento interno.

Recentemente, o ministro Celso de Mello votou contrário à libertação de executivos de construtoras no caso “lava jato”. Passaram a ser atacados os ministros que votaram a favor: o relator Teori Zavascki, Gilmar Mendes e Dias Toffoli. Manifesto minha discordância com o voto do ministro Celso de Mello. Mas este, o decano do Supremo Tribunal Federal, o mais antigo ministro, é admirado por todos, e aqui me incluo. Porém, os ministros não podem variar da admiração quando votam da forma que esperamos, queremos ou entendemos e serem pichados quando o contrário.

Manifestar discordâncias enriquece debates. Ataques pessoais não contribuem para a democracia. O ministro Teori Zavascki votou a favor da liberdade como tradição das decisões consolidadas no Supremo. Na internet, grupos faziam ataques aos três ministros, sob a “acusação” de serem ligados ao PT. A ignorância chega a tal ponto que não entendem que o ministro Gilmar Mendes foi nomeado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), e, nem por isso, sua posição política irá influenciar no voto contra ou a favor do governo.

Ele mesmo já sofreu diversos ataques pessoais, de grupos ligados à esquerda, quando corretamente libertou o banqueiro Daniel Dantas. O ministro Marco Aurélio de Mello, indicado por Fernando Collor, já foi atacado de igual forma. É um grande ministro, polêmico e correto.

O ministro Dias Toffoli começou sendo atacado ainda no processo de nomeação. Grupos queriam vincular seu nome ao recebimento de honorários sem licitação. Algo mais covarde e oportunista do que levantar acusações no momento em que se alcança a mais honrada nomeação para um jurista. Não cessam contra ele levianas acusações de ligações com o PT e falta de isenção para julgar.

Esquecem que também votou favorável a várias condenações na ação originária. O ministro tem se revelado um dos mais preocupados e atentos no instrumento do habeas corpus, um dos melhores ministros do Supremo Tribunal, que pela idade ainda será o decano da Corte.

Agora, vivemos uma onda de ataques ao recém-nomeado advogado Luiz Edson Fachin, indicado ao Supremo. Já acusaram de ilegalidade o fato de ter prestado concurso, sido aprovado como procurador do Rio Grande do Sul e continuado advogando. Seu concurso é anterior à vedação de advogar e sua posse ocorreu três meses depois. Na sua carteira da Ordem dos Advogados do Brasil consta a anotação da proibição de advogar contra o Estado.

Sua posse foi em 1989 e agora alguém vem apontar ilegalidade na sua advocacia!?! Isso somente quando é indicado para o STF? E esses anos todos, nada foi feito pelo Estado do Rio Grande do Sul, pelo Ministério Público ou pela a OAB? Ora, evidente que a interpretação de falta de impedimento prevaleceu, e o advogado agiu todos esses anos em absoluta boa-fé e na legalidade.

Alguns ainda vêm trazer manifestações que ele fez como jurista a favor de diversas teses, algumas polêmicas. Chegam a imputar um esquerdismo comunista. Tal debate lembra o macartismo americano e a época em que vivíamos na Guerra Fria. Essas questões são passado, e esse tipo de ataque demonstra como ainda temos pessoas que vivem naquela época radical, e o quanto de cuidado devemos ter para manter nossa democracia.

Opiniões de juristas que visam provocar o Direito a se modificar, a se repensar, não correspondem com a futura posição, como ministro, à luz da carta magna vigente e da legislação em vigor. Valorizemos a Suprema corte brasileira, seus ministros e os nomeados. A sociedade e em especial os juristas podem manifestar discordância, mas no mais alto nível de debates.

Sabatinas polêmicas fazem parte da história. A nova coleção História Oral do Supremo, lançada pela FGV, traz entrevista com inúmeros ministros, entre os quais o inesquecível Sepúlveda Pertence. Este lembra incidente ocorrido na sua sabatina, quando  o deputado Roberto Campos chegou a afirmar: “Senhor presidente, para ser ministro do Supremo, pressupõe-se saber jurídico, gosto pelo trabalho e ilibada reputação, ou moralidade induvidosa. A esse senhor que hoje está aqui como candidato a ministro do Supremo, eu tenho o desprazer de dizer que lhe faltam todas essas qualidades”.

Todos sabem da passagem desde ministro no Supremo Tribunal, que deixou sua marca como um dos maiores magistrados do Brasil. Este respondeu ao deputado: “Pois bem, eu também nasci nu, em Sabará, e estou vestido. Então … O senador Roberto Campos deve desconhecer, mas nossa animosidade vem de muito antes”.  A história se faz todos os dias, e hoje Fachin faz parte dela.

Fernando Augusto Fernandes é advogado criminalista, membro da Comissão de Defesa do Direito de Defesa da Ordem dos Advogados do Brasil e doutor em Ciência Política.

Fonte: ConJur

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