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Artigo Ives Gandra PEC 37

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Sociedade Aberta Menu Desinformação sobre a PEC 37 Ives Gandra Martins*, Jornal do Brasil 08/07 às 10h18 – Atualizada em 08/07 às 10h27 O ministro César Peluso, quando presidia o STF,     no recurso extraordinário nº 593.727, disse:

“Considerar o membro do Ministério Público, ao mesmo tempo, ‘advogado sem paixão’ e ‘juiz sem imparcialidade’ é exigir-lhe demais. (…) Não subsiste no ordenamento institucional nenhuma dúvida de que não compete ao Ministério Público exercer atividades de polícia judiciária, na apuração das infrações penais”.

Como se percebe, não haveria necessidade de um projeto de emenda constitucional para assegurar aos delegados de polícia a exclusividade para presidir os inquéritos policiais. Já a têm na CF, pois o § 4º do artigo 144 está assim redigido:

“§ 4º – às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”.

Comentei-o:

O texto constitucional faz clara alusão a que os delegados de carreira são aqueles que a dirigem, pressupondo-se que a chefia da polícia, exceção feita ao secretário de Segurança, homem de confiança, só pode ser exercida por delegados de carreira escolhidos entre aqueles que estão no mais alto escalão desta. Há, portanto, nítida sinalização do texto constitucional para uma burocracia profissionalizada entre delegados, que não pode ser desconhecida pelo Estatuto dos Servidores Públicos Civis dos Estados (Comentários à Constituição do Brasil, v. 5, p. 280/281).

O Ministério Público não é polícia judiciária. Tem o direito de requisitar às autoridades policiais diligências investigatórias (artigo 129, inciso VIII), assim como a instauração de inquérito policial aos delegados, que, todavia, serão aqueles que os instaurarão.

O exercício do controle externo da atividade policial (inciso VII do artigo 129), de rigor, é controle semelhante ao que exerce sobre todos os poderes públicos (inciso II), para que não haja desvios de conduta.

Não há que confundir a relevante função de defesa da sociedade e de zelar pelo bom funcionamento das instituições com aquela de dirigir um inquérito, que é função exclusiva da “polícia judiciária”.

À evidência, com o direito de requisição, o MP pode pedir aos delegados todas as investigações de que precisar, como também o tem o advogado de defesa, que se coloca no inquérito judicial no mesmo plano do MP.

Não sem razão, o constituinte definiu a advocacia e o Ministério Público como “funções essenciais à administração de Justiça” (artigos 127 a 135).

O direito de defesa, a ser exercido pelo advogado, é o mais sagrado direito de uma democracia, direito este inexistente nas ditaduras. Por esta razão é inviolável, neste exercício, como determina o artigo 133 da CF/88, assim redigido: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.

Não sem razão, também, o constituinte colocou no inciso LV do artigo 5º, como cláusula pétrea, que aos acusados é assegurada a “ampla defesa administrativa e judicial”, sendo o adjetivo “ampla” de uma densidade vocabular inquestionável. O dispositivo tem a seguinte dicção: “LV, artigo 5º. – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Permitir ao MP que seja, no inquérito policial, parte (acusação) e juiz (condutor da investigação) ao mesmo tempo, é reduzir a “ampla defesa” constitucional a sua expressão nenhuma, de vez que, na dúvida, o MP deve acusar. Se o magistrado, na dúvida, deve absolver (in dubio pro reo), o MP, na dúvida, deve acusar para ver se durante o processo as suas suspeitas são consistentes.

Pelo texto constitucional, portanto, não haveria necessidade de um projeto para explicar o que já está na Constituição. Como, todavia, nos últimos tempos, houve invasões nas competências próprias dos delegados, é que se propôs um projeto de emenda constitucional para que o óbvio ficasse “incontestavelmente óbvio”.

É de se lembrar que, de forma gráfica e cáustica, o ministro Marco Aurélio Mello assim se manifestou no RE 593.727: “Eu não imagino procurador com estrela no peito e arma na cintura para enfrentar criminosos na rua como se fosse polícia”.

Eis por que juristas da expressão do presidente do TJ de São Paulo, Ivan Sartori, do presidente do Conselho de Ética da República, Américo Lacombe, de Márcio Tomás Bastos, Vicente Greco Filho, José Afonso da Silva, José Roberto Batocchio, Luiz Flávio D’Urso, Marcos da Costa e Guilherme de Souza Nucci colocaram-se a favor da PEC 37.

Há diversas manifestações restritivas da atuação do MP, como a dos ministros Nelson Jobin, Cármen Lúcia e Luís Roberto Barroso, dos professores Miguel Reale Júnior, Eugênio de Aragão, Rogério Arantes, Maria Tereza Sadek, Flávio Dino e outros doutrinadores e autoridades. Com todo o respeito aos eminentes membros do “Parquet”, parece-me que deveriam concentrar-se nas suas relevantes funções, que já não são poucas, nem pequenas.

Uma última observação. Num debate de nível, como o que se coloca a respeito da matéria, não me parece que agiu bem o MP quando intitulou a PEC 37 de “PEC da corrupção e da impunidade”, como se todos os membros do MP fossem incorruptíveis e todos os delegados corruptos. Argumento desta natureza não engrandece a instituição, visto que a Constituição lhe outorgou função essencial, particularmente necessária ao equilíbrio dos poderes, como o tem a Advocacia e o Poder Judiciário, em cujo tripé se fundamenta o ideal de justiça, na República brasileira.

Concluo este breve artigo com as seguintes manifestações:

– do ex-presidente do STF, ministro Nelson Jobim:

“Procurador não é policial. Não podemos passar por cima da Constituição”.

– da ministra Cármen Lúcia no HC 108.147:

“A partir do momento em que o MP se utiliza de sua estrutura e de suas garantias institucionais a fim de realizar de modo direto investigações criminais, atua em sigilo e isento de fiscalização em sua estrutura administrativa”.

– e do ministro Luís Roberto Barroso:

“Parece fora de dúvida que o modelo instituído pela Constituição de 88 não reservou ao Ministério Público o papel de protagonista da investigação penal. De fato, tal competência não decorre de nenhuma norma expressa, sendo certo que a função de polícia judiciária foi atribuída às polícias Federal e Civil. (…) Não é desimportante lembrar que a polícia sujeita-se ao controle do Ministério Público. Mas se o Ministério Público desempenhar, de maneira ampla e difusa, o papel da polícia, quem irá fiscalizá-lo?”.

* Ives Gandra Martins é jurista.

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